quarta-feira, 21 de março de 2012

A Corrupção - por Padre João Batista Libânio


Há distância abissal entre o fato da corrupção e a "cultura da corrupção”. Enquanto existirmos, nós, seres humanos, seremos sempre tentados pelos três famosos deuses do dinheiro, do sexo e do poder. E enquanto estivermos nesse vale de contradições da história humana, uns mais, outros menos, todos pecamos. S. Paulo, de modo enfático, conclui, depois de ter traçado o quadro de pecado dos pagãos e dos judeus, símbolos de toda a humanidade, que "todos nós pecamos”. Mas não para aí. Onde este pecado grassou abundantemente, aí também a graça salvadora de Cristo atua ainda mais abundantemente. Todo esse cenário escuro existe em vista de fazer realçar o esplendor do amor salvador de Deus em Jesus Cristo.
Por isso, o fato do pecado, o dado da corrupção nos horrorizam. Sempre houve, sempre haverá. Mas, também sempre está o chamado de Deus à conversão, oferecendo a superabundância da graça.
A situação se degrada quando a corrupção se torna cultura. A cultura dita as regras do procedimento, cria comportamentos padronizados. Permite que as pessoas se entendam entre si. Representa para elas a realidade. Torna-se algo normal, corriqueiro. Oferece significado para a vida da sociedade. Revela a lógica dos procedimentos do corpo social. Ora bem, se a corrupção se transforma em cultura, acontece que todo mundo não a estranha, ninguém se indigna contra ela. Espera-se que todos assim o façam. Colocadas em situação de provocação a ela, as pessoas respondem normalmente deixando-se corromper ou corrompendo outras por meio de suborno, de pistolão, de prestígios alegados.
O mais grave da "cultura da corrupção” se revela na perda do senso ético da sociedade. Ninguém já considera tal comportamento como desviante. Assim desde o menino que está a guardar os automóveis no estacionamento que tenta pressionar as pessoas ameaçando arranhar-lhes o carro até os setores mais graduados da sociedade que se vendem às empreiteiras para elegerem-se e enriquecerem-se. Há diferença de graus. E como? Lá em cima, a corrupção rola em alta escala. Aqui em baixo, são minguados reais. Mas grassa idêntica enfermidade cultural. Prevalece o comportamento geral de que cada um aproveite quanto puder, não importa o meio. Domina a expectativa de enriquecimento rápido e fácil a fim de resolver definitivamente a própria situação econômica.
Em vez da cultura da laboriosidade, do ganho módico, gradativo, poupado, busca-se a riqueza em maior abundância possível, aproveitando todas as situações. Ora, cultura se modifica "culturalmente”. Cabe, portanto, reconstruir o tecido da sociedade a partir de outros comportamentos, outras expectativas, outros valores em duplo movimento. Antes de tudo, trata-se de desestimular a corrupção por todos os meios, punindo simbólica e realmente os corruptos. Em seguida, busca-se criar consciência ética de honestidade, de respeito a si, de dignidade de modo que a corrupção se torne comportamento anômico, anômalo, não reconhecido pela sociedade. Os fautores sentirão vergonha, esconderão o máximo possível, temendo que ela venha à luz. Então se cumprirão as palavras de Jesus: "Todo aquele que faz o mal odeia a luz, com receio de que as suas obras sejam desmascaradas” (Jo 3,20). E na sociedade então acontecerá que "aquele que age segundo a verdade vem à luz para que suas obras sejam manifestadas, já que tinham sido realizadas em Deus” (Jo 3, 21)

sexta-feira, 16 de março de 2012

Há quinze anos

Boas ou sofridas as memórias nos acompanharão por toda a nossa vida.
Há quem afirme que não se vive do passado. É verdade. Um passado que constantemente retorna para assombrar precisa ser exorcizado e acolhido com fraternidade para se tornar um irmão a mais no caminho da vida.
Porém, lembrar, fazer memória, é próprio de nossa humanidade.
E é assim que celebro a data de hoje. Há quinze anos, dez horas da manhã, na cidade de Floraí-PR, estávamos muitos amigos e irmãos na fé reunidos para minha ordenação presbiteral. Enfim chegara o momento tão esperado.
Foi um momento de fé, mas de ansiedade, expectativa, e por fim, de realização.
Eu sabia que a caminhada não chegara ao seu termo. Mas era mais uma etapa superada.
Aguardava ansioso a possibilidade de presidir minha primeira missa, celebrar os primeiros sacramentos, assumir minha primeira paróquia.
E, com o tempo, tudo isso foi acontecendo. E quanto êxtase a cada passo.
Passados quinze anos já percebo muitas marcas do tempo. Não sou mais aquele jovem sem experiência e com a convicção  de possuir muitas verdades. Sou um cristão adulto com a convicção de que há muitas verdades a serem descobertas e colocadas em prática.
Tenho consciência de minhas falhas e por elas peço perdão. Algumas delas insistem em manter-se no palco, sob a ribalta, mas há uma Luz muito mais forte que coloca todos os atores nos seus devidos papéis. E assim, a vida segue seu curso.
Agradeço tudo que recebi ao longo desses anos. Quantas amizades construídas, quantas experiências vividas na partilha da fé, quantos bons momentos... O Senhor prometeu, o Senhor cumpriu: cem vezes mais já neste mundo.
Obrigado a todos que compartilham este momento comigo com sua presença, com sua oração. Obrigado Deus, por confirmar a cada dia a minha vocação. "Para fazer, não a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" Jo 6,38.

terça-feira, 13 de março de 2012

A questão do aborto - por Dom Odilo Scherer



De novo, em pauta a questão do aborto. Estamos num ano eleitoral, os partidos vão costurando suas alianças e, como não podia deixar de ser, na pauta dos ajustes também entram questões polêmicas, em discussão há mais tempo pela opinião pública e também no Congresso Nacional.
Há quem gostaria que certos temas delicados não estivessem nos grandes debates político-eleitorais, talvez para não exigir uma tomada de posição clara perante os eleitores; prefere-se, então, qualificá-las como “questões religiosas”, das quais o Estado laico não se deveria ocupar, nem gastar tempo com elas na discussão política... Não penso assim.
Decisões sobre a vida e a morte de outros seres humanos, sobre o modelo de casamento, família e educação, sobre justiça social e princípios éticos básicos para o convívio social são questões do mais alto interesse e relevância política. Dizer que são “temas religiosos” significa desqualificar a sua discussão pública, relegando-os à esfera da vida privada, ou ao ativismo de grupos voltados mais para interesses particulares do que para o bem comum. Tirar da pauta política esses temas também poderia sugerir que pessoas sem religião não precisam estar vinculadas a valores e convicções éticas, o que é falso e até ofensivo.
Preocupo-me quando ouço que, no Brasil, a cada ano são realizados mais de 1 milhão de abortos “clandestinos” e que tantas mil mulheres (número bem expressivo!) morrem em consequência de abortos mal feitos! Há algo que não convence nesses números e afirmações. Sendo clandestinos, como pode alguém afirmar com tanta certeza dados tão impressionantes? Maior perplexidade ainda é suscitada quando isso é afirmado por uma autoridade representativa do Estado, mostrando que tem, supostamente, conhecimento seguro de uma violação aberta e grave da lei e nada fazendo para que ela seja respeitada para preservar tantas vidas! De fato, continua valendo a lei que veta o aborto indiscriminado no Brasil.
Esses números assombrosos ou estão pra lá de superdimensionados e manipu-lados para pressionar e atingir, de maneira desonesta, objetivos almejados, ou, então, alguém está faltando com seu dever de maneira consciente e irresponsá-vel, deixando que a lei seja violada impunemente, em casos tão graves, nos quais vidas humanas inocentes e indefesas são ceifadas, às centenas de milhares, ou até na conta dos milhões!
É lamentável a morte de cada mulher em consequência de um aborto clandesti-no e mal feito. Lamentável também, e muito, é a sorte trágica de cada ser humano que tem a sua vida tolhida antes mesmo de ter visto a luz. Se há um problema de saúde pública a ser encarado, a solução não deveria ser a instrumentalização dessa tragédia humana para promover a legalização do aborto. Dar roupagem legal à tragédia curaria a dor e faria sossegar a consciên-cia? Questão de saúde pública deve ser enfrentada com políticas voltadas para a melhoria da saúde e das condições de vida, e não para a promoção da morte seletiva. Uma campanha de conscientização sobre a ilegalidade das práticas abortistas protegeria melhor a mulher e o ser que ela está gerando. Haveria muito a fazer para alertar contra os riscos do recurso às clínicas – nem tão clandestinas – de “interrupção da gravidez”. Alguém conhece alguma campanha do governo ou alguma política pública para desestimular práticas abortivas contrárias à lei e arriscadas para a saúde da mulher? Não seria o caso de fazer?
Está em curso a discussão sobre a reforma do Código Penal Brasileiro; em muitas coisas, certamente, ele deverá ser revisto e adequado. Chama, no entanto, a atenção e merece uma reflexão atenta da sociedade a proposta relativa ao artigo 128, sobre novos casos de aborto “não puníveis”, além dos dois casos já previstos – risco de vida para a mãe e gravidez resultante de estupro (cf. http:/migre.me/845Dp).
No inciso I do artigo 128, propõe-se que não haja crime “se houver risco de vida ou à saúde da gestante”. A alusão ao “risco à saúde da mulher” é absolutamente vaga e, por si só, já ofereceria base para a universalização do aborto legal.
No inciso II, propõe-se que não haja crime se a gravidez resultar de “violação da dignidade sexual, ou do emprego de técnica não consentida de reprodução assistida”. O que se pretende qualificar como “violação da dignidade sexual”? O delito, neste caso, não aparece configurado e poderia ser facilmente alegado, sem que ninguém fosse capaz de comprovar a real ocorrência dos fatos. Além disso, a “reprodução assistida” já está legalizada e regulamentada no Brasil?
No inciso III do mesmo artigo, propõe-se que não haja punibilidade quando “comprovada a anencefalia, ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida independente, em ambos os casos atestado pelo médico”. Além da anencefalia, já em discussão no Supremo Tribunal Federal, acrescentam-se outras “graves e incuráveis anomalias”, o que é preocupante, pois isso abriria as portas para uma inaceitável, do ponto de vista ético, “seleção pré-natal” dos indivíduos considerados “aptos” a viver e o descarte de outros, considerados “inviáveis”.
É o controle de qualidade aplicado ao ser humano, já praticado em tempos passados por regimes condenados quase universalmente por suas práticas eugênicas. Vamos legalizar isso no Brasil agora?! No inciso IV, propõe-se que, “por vontade da gestante até a 12.ª semana de gestação, quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade”, o aborto poderia ser praticado sem penalidades. Passa-se ao médico o peso da decisão sobre a vida ou a morte de seres humanos. Acho isso absolutamente inadequado!
É preciso refletir muito, para não legalizar a banalização da vida humana.

Fonte: http://www.comshalom.org/blog/carmadelio/29257-cardeal-de-sao-paulo-se-manifesta-sobre-a-questao-do-aborto em 13.03.12