segunda-feira, 21 de dezembro de 2015


Feliz Natal!

“Eis que vos anuncio uma grande alegria”...
Assim começa a mensagem que os anjos dirigem aos pastores sobre o nascimento do Salvador Jesus Cristo. Como é bom receber boas notícias. Todos desejamos que a cada dia pudéssemos abrir os jornais, as páginas da internet, os e-mails e encontrar notícias de grande alegria.

Mas nem sempre é assim...
Da mesma forma que um nascimento necessita do tempo certo para que o bebê venha à luz, as boas notícias precisam esperar pelo tempo da colheita. Isso significa que boas notícias são o fruto de uma semente lançada anteriormente por alguém. Colhe-se o que é plantado.
Se queremos uma humanidade melhor precisamos semear tudo aquilo que produzirá essa mudança para melhor.
O nascimento de Cristo, a encarnação de Deus, é o fruto de uma semente de amor que Deus plantara já na criação do mundo. Desde sempre o Pai veio preparando o terreno do coração humano para que nele nascesse seu Filho.
Somos convidados todos os anos pelas celebrações litúrgicas a cultivar essa semente de amor que Deus plantou em nossos corações para que no tempo certo ela germine e produza frutos de grande alegria a toda a humanidade.

Desejo a todos um Santo Natal. Que esta boa-nova de grande alegria fortaleça nossa esperança e sustente nossa perseverança no cultivo do amor. Feliz Natal!

terça-feira, 2 de setembro de 2014

O Decálogo da serenidade de João XXIII

1- Somente hoje procurarei viver o presente (em sentido positivo), sem querer resolver o problema da minha vida, inteiramente de uma só vez.
2- Somente hoje, terei o máximo cuidado pelo meu aspecto: me vestirei com sobriedade; não levantarei a voz; serei gentil nos modos; ninguém criticarei; não pretenderei melhorar ou disciplinar alguém, a não ser eu mesmo.
3- Só por hoje me sentirei feliz com a certeza de ter sido criado para ser feliz não só no outro mundo, mas também neste.
4- Só por hoje me adaptarei às circunstâncias, sem pretender que as circunstâncias se adaptem todas  aos meus desejos.
5- Só por hoje dedicarei dez minutos do meu tempo a uma boa leitura, lembrando-me que assim como é preciso comer para sustentar o meu corpo, assim também a leitura é necessária para alimentar a vida da alma.
6- Só por hoje praticarei uma boa ação sem contá-la a ninguém.
7- Só por hoje farei algo que não gosto de fazer e se me sentir ofendido nos meus sentimentos farei de modo que ninguém perceba.
8- Somente hoje, organizarei um programa:talvez não o siga exatamente, mas o organizarei. E tomarei cuidado com dois defeitos: a pressa e a indecisão.
9- Somente hoje, acreditarei firmemente, não obstante as aparências, que a boa providência de Deus se ocupa de mim como de ninguém no mundo.
10-Somente hoje, não temerei. De modo particular, não terei medo de desfrutar do que é bonito e de acreditar na bondade. Posso fazer, por doze horas, o que me espantaria se pensasse em ter que o fazer por toda a vida.

terça-feira, 29 de julho de 2014

A morte não é nada....


A morte não é nada.
Apenas passei para o outro lado: é como se estivesse escondido na sala ao lado.
Sou sempre eu e você sempre você.
Aquilo que antes éramos um para o outro somos ainda agora.
Chama-me com o nome que sempre me chamou, que lhe é familiar;
fale comigo da mesma forma afetuosa que sempre usou.
Não mudar o tom de voz, não assumir um tom solene ou triste.
Continue a rir daquilo que nos fazia rir,
daquelas pequenas coisas que nos davam tanto prazer
quando estávamos juntos.
Reze, sorria, pense em mim!
o meu nome seja a palavra familiar de antes:
pronuncie-o sem o mínimo traço de sombra ou tristeza.
A nossa vida conserva todo o significado que sempre teve:
é a mesma de antes, tem uma continuidade que não se interrompe.
por que deveria estar fora dos seus pensamentos e da sua mente, só porque estou longe da sua vista?
Não estou distante, estou do outro lado, exatamente logo ali atrás.
Tranquilize-se, está tudo bem.
Encontrará o meu coração,
encontrará a ternura purificada.
Enxugue as suas lágrimas e não chore, se me ama:
o seu sorriso é a minha paz.

(http://ricettedicucinaenonsolo.blogspot.it/2014/05/la-morte-non-e-niente-sono-solamente.html)

segunda-feira, 31 de março de 2014

Lágrimas de homem - por padre Orivaldo Robles

Se, como dizem, homem não chora, estou mal na foto. Por muito pouco, mesmo com esforço para segurar, acabo caindo no choro. Justifico-me apelando para as sete décadas que carrego nas costas. Idosos são emocionalmente mais frágeis que jovens. O duro é que no meu caso deve ser não consequência da idade, mas jeito da madeira. Minha saída de Paranacity foi prova clara. Eu estava com trinta anos. No discurso de despedida daquele povo que eu tanto amava, destampei numa choradeira inconsolável. Não consegui pronunciar mais que três ou quatro palavras. Dei um vexame histórico.
Remexendo o fundo do baú de meu coração mole, encontro o pesar imenso que me causa a dor especialmente de crianças. O sofrimento desses inocentes – ah, não dá – me engrola a língua e me arranca lágrimas. Isso vem de longe. Eu tinha três ou quatro anos quando a mãe nos contou, a mim e a meu irmão, um episódio que só de recordar ainda me entristece. O Eraldo, mais velho, já um pouco habituado, quem sabe, às brutalidades da vida, não pareceu ter-se impressionado tanto. Mas a mim, que não podia imaginar ninguém mais pobre do que nós – e, contudo, nunca nos faltara o que comer – por noites seguidas, foi-me difícil conciliar o sono. Voltava-me à imaginação a pobre mulher (que não vi, mas a mãe contou), em conversa com o filho pequeno a lhe implorar comida. Ela argumentava: “Mas você não comeu duas veis (sic)”? Ainda que repetido, o prato não fora bastante para seu infantil apetite. Ou para sua fome, que é mais pungente que qualquer apetite. Não sei que providência minha mãe tomou. Com certeza, não foi capaz de dar solução definitiva ao problema.
Sofrimento de criança não é aceitável para ninguém. Adulto ainda vá lá; pode explicar a dor ou lhe oferecer resistência. Mas criança, não. Para criança a vida teria que reservar sorriso e nada mais. Criança é botão de flor que desabrocha. É manhã de dia que o sol clareia.
Tristeza de criança me desata um pranto que, só a custo, quando consigo, não deixo rolar dos olhos. Como no atendimento à jovem mulher que veio lamentar o sumiço do companheiro. Não dava notícia havia três meses. Ela não sabia para onde ele fora nem se voltaria. Estava sem dinheiro para o leite do garotinho. Não sabia a quem recorrer. Podia trabalhar, mas com quem deixá-lo? Enfrentaria qualquer serviço, mas não dispunha de ninguém para cuidar do pequeno. O bebê tinha uma beleza de chamar a atenção. Como pode alguém, especialmente o pai, abandonar criança tão linda? Fitava-me com olhos imensos e inexpressivos. Um pouco assustado com o choro que a mãe fazia força para lhe ocultar. Brinquei com ele, fiz-lhe mil festas. Não lhe arranquei sequer um arremedo de sorriso. 
Dei à mulher uma importância que poucos lhe dariam. Saiu agradecida. Em nenhum momento o bebê desviou de mim seus olhos lindos e distantes.
Dirão que fui tolo, eu sei. Se fui levado na conversa, não terá sido a primeira vez. À Assistência Social, não a mim, cabe resolver esse problema. Não é meu papel. Mas a criança me desmontou. Disfarçando para não chorar, dei dinheiro para o leite de vários dias. Mamadeira vazia criança nenhuma merece.
Ainda me faz sofrer a lembrança daquele rostinho lindo, dolorido, sem o encanto de um sorriso.

segunda-feira, 10 de março de 2014

O sabiá - por padre Orivaldo Robles

“Minha terra tem palmeiras/Onde canta o sabiá;/As aves que aqui gorjeiam/Não gorjeiam como lá”. Fosse o seu Maranhão dominado, como hoje, pelo clã Sarney, é provável que Gonçalves Dias não visse Coimbra como exílio, mesmo tendo lá vivido muito jovem, como estudante, dos 15 aos 22 anos. Nem talvez sentisse tanta saudade.  
Desconheço que palmeiras eram as de Caxias (MA), sua terra, às que se refere. Não, com certeza, as garbosas palmeiras imperiais da nossa Avenida 15 de Novembro. Imperiais, porque o primeiro exemplar foi plantado por Dom João 6°, no Jardim Botânico do Rio, em 1809.
Para cantar sabiá prefere mesmo palmeira? Jamais saberei. Durante muito tempo, bem cedinho, na Avenida 15 de Novembro, encantou-me a melodia de um sabiá-laranjeira. Nunca percebi se cantava em palmeira ou noutra árvore. Pela “Canção do Exílio” tinha que ser numa palmeira. Muitas vezes tentei, mas é impossível vê-lo na folhagem daquela altura. Sabia esconder-se o espertinho. Lá no alto emitia seu gorjeio, que musicava minha manhã nascente. Assim foi por meses, nem sei quantos.
Até que, em fins do ano passado, uma ruidosa e comercial programação de Natal tomou conta da cidade. Não sei se pelo foguetório ou se pelo vozeado interminável de locutores gritões, o certo é que o coitadinho assustou-se. Sumiu. Levou tempo para eu tornar a ouvi-lo. Desta vez, lá na Praça Presidente Kennedy. Calculo que era o mesmo, embora nunca o tenha visto. Prudentemente, há de ter buscado distância da barulheira que, até tarde da noite, não lhe dava sossego. Recentemente, voltei a perceber, de novo, seu canto nas palmeiras da Avenida 15. Voltou. Pelo visto, sabiá não se dá bem com saudade. Como Gonçalves Dias. Porém não canta com a mesma frequência de antes. Também a melodia soa um pouco diferente. Mais triste, me parece. Além de que ele abreviou o recital. Executa apenas meia partitura.
O amiguinho cantor trouxe-me à lembrança antigo colega seu, um ascendente longínquo talvez. No seminário do Batel, em Curitiba, sem falhar um dia, ele acompanhava nossa oração da manhã. Antes da missa, observávamos meia hora de meditação silenciosa. Éramos então brindados com seu primoroso concerto. Ele devia morar no bosque do alemão, nosso vizinho. Enfeitava com graciosas volteaduras o longo trinado. Um Milton Nascimento dos sabiás.
Fico matutando se também aos pássaros canoros antigamente não se exigia melhor técnica e potência vocal. Porque na raça dos humanos, hoje em dia, qualquer pobre diabo se considera cantor. Ainda que lhe falte voz, e careça, por completo, de ouvido musical. A tecnologia do estúdio disfarça as falhas.
Que imenso poder nós temos de modificar nosso planeta. Até aos pássaros conseguimos arrebatar-lhes o natural habitat. Em troca, lhes providenciamos uma versão moderna, que julgamos melhor: no campo, a monotonia da soja, da cana e do pasto; na cidade, a aridez dos prédios, do cimento e do asfalto. Nosso “progresso” condenou à morte até o último capãozinho de mato nativo, onde o ar era puro e a água corria limpa; onde havia fartura de insetos, sementes e frutas. Hoje, não Gonçalves Dias, mas o sabiá é que canta sua canção do exílio. Numa melodia empobrecida.
Os sabiás novos desconhecem o precioso repertório dos antigos. Também, nem lugar sobrou para os coitados ensaiarem. Assim, como vão aprender?

domingo, 2 de março de 2014

O palavrão - por padre Orivaldo Robles

Tarde de um domingo destes. Caminho para a Catedral. Em minha direção, na calçada, vêm dois rapazes. A todo instante olham para trás com um sorriso maroto. Lá adiante, o motivo: três garotas em shortinhos sumários, que só não revelam pensamento. É a moda, que fazer? Ninguém lhe resiste. (A propósito, alguns esperam que o padre condene trajes curtos na igreja. Nunca me senti à vontade para isso. Não é minha praia. Faz anos, após muita cobrança, expliquei: “Gente, não tenho nenhuma competência para a moda. Nem, aliás, para muitas outras coisas. Não se usa longo em praia nem biquíni em casamento. Para uma igreja, o marido, pai, avô, irmão, primo, namorado... da senhora ou da senhorita vejam se a roupa é adequada ou não. Quem convive com elas é que deve opinar sobre o que vestem”).
Voltando às jovens: alcanço-as no semáforo fechado. Antes que ele abra por completo, passam correndo. Um motorista buzina. A mais alta ergue o braço e, sem se importar com os presentes – parece desejar que todos ouçam – grita, o mais forte que pode: “Ah, vá se f...”! Levo um susto. Sou antiquado, reconheço. Entendo palavrão como descortesia, falta de educação. Pelo menos em público. Vindo de mulher, então, é um descalabro. Nos marmanjos, mais desbocados por natureza, surpreende menos. Mas mulher é pessoa fina, nobre, gentil.
Sabe-se lá quem criou o xingamento ou o baixo calão, que todas as línguas conhecem. Aquele mais comum, que ofende a mãe do atingido, pelo jeito, existe há séculos. Quase todos os povos o utilizam. Ou todos mesmo. Até na Bíblia, onde ninguém esperava encontrá-lo, ele aparece. Saul, primeiro rei de Israel, era um indivíduo de maus bofes. Apesar da nobreza do cargo, não tinha muita preocupação com a fineza das palavras. Prática seguida, ainda hoje, por muitos ocupantes de altos postos que, longe dos microfones, mostram levar uma latrina na boca. Num rompante de ira contra o filho Jônatas, Saul sapecou-lhe o xingamento de uso universal (1Sam 20,30). Para não chocar o leitor, as traduções da Bíblia costumam usar expressão mais suave. Mas, no popular mesmo, a gente sabe muito bem o que ele disse. E olhe que Saul viveu no século 11 a. C., embora os livros de Samuel, que contam a sua saga, tenham sido redigidos pelo século 7° a. C. Como se vê, boca suja não é invenção de hoje.     
Não sou nenhum puritano; não me escandaliza qualquer besteirinha. Compreendo, além disso, que situações excepcionais, vez por outra, acabem com a paciência do mais devotado discípulo de Jó. Por experiência aprendi, ao longo dos anos, quanto nos pesa o barro de que somos feitos. Mas uma dose de cuidado com as palavras cairia bem entre nós. Ultimamente as pessoas vêm usando um palavreado de fazer corar marinheiro em cais de porto. Isso é ser moderno, ser livre? Não será, antes, grosseria, falta de educação?

Desculpem-me os que me consideram um velho quadrado. Mas reflitam comigo: com razão reclama-se da violência que hoje assola o nosso mundo. Entretanto a violência nutre-se também da agressividade expressa no modo de falar. Do prazer doentio desfrutado por muitos num vocabulário canalha que, longe de dignificar, avilta as pessoas. Não será o caso de cuidarmos um pouco mais das palavras que usamos?

sábado, 28 de dezembro de 2013

Ao Menino Jesus - por padre Orivaldo Robles

Antes do Natal, crianças escrevem cartinhas ao Papai Noel. Eu, que deixei longe minha infância, escrevo depois do Natal. Não para o Papai Noel, mas para o Menino do presépio. Vai para ele minha última mensagem do ano:
Querido Menino Jesus.
Não sei para você, mas para mim foi bom ter acabado o agito do Natal. Para falar a verdade, tamanho rebuliço já estava me cansando. Não que eu não reconheça o significado do seu nascimento entre nós. Quem sou eu, miserável pecador, para não me extasiar, agradecido, ante o mistério de Deus, que vem ao nosso encontro na doçura de uma criança? Que nos dá o próprio Filho feito humano igual a nós em tudo, menos no pecado?  Com a Igreja também rezo ao Pai nestes dias: “No momento em que vosso Filho assume nossa fraqueza, a natureza humana recebe uma incomparável dignidade: ao tornar-se Ele um de nós, nós nos tornamos eternos”. Não é disso que estou falando, você sabe. O Natal nunca deixará de ser fonte e garantia de salvação para toda a humanidade. Como então não vibrar de alegria nem fazer festa por causa dele?
Não é a festa que me aborrece, Menino Jesus; é a ideia que dela muitos fazem. Nada além de comida, bebida e caríssimos bens consumíveis. Você acompanhou o movimento do centro, nos dias de preparação para o Natal? No comércio, um atropelo de dar medo. Nas calçadas, gente trombando com gente. Até se pisando, por falta de espaço. Meu coração mole sofre pelas crianças que nunca entraram num shopping. Só conhecem lojas de artigos baratos, à altura do salário que os pais recebem. Muitas, nem isso.
No fim, para que essa correria? Pela irreprimível ilusão de comprar para si e para os seus um feliz Natal. Cá com meus botões, fiquei pensando: “Ah, não vai haver felicidade para todos. Mesmo com estoques reforçados, as lojas não vão dar conta. Vai sobrar gente sem felicidade. Quem chegou primeiro acaba comprando tudo”. Pra você ver, Menino, em que se transformou hoje a festa do seu nascimento.
Triste é perceber que, por diferentes que pareçam, as coisas não mudaram tanto assim. Possivelmente nem tenham mudado. Quando você nasceu, quem se importou com o casal pobre e desconhecido – a mulher muito jovem e grávida –, longe de casa, precisando de ajuda? Quem olhou para um bebê que, por falta de berço, a mãe se obrigou a acomodar nas cavidades da pedra de um estábulo de animais? Preocupar-se com esse tipo de gente? Imagine! Da mesma forma que naquela noite, em Belém, quem hoje mostra interesse pelo seu nascimento, Menino?  As pessoas têm a atenção voltada para shoppings e lojas de grife onde esperam adquirir a felicidade do Natal.
Penso nos pais e mães que se amarguram, quando o Natal vem chegando. Seu pobre coração se angustia. Não por sua causa, Menino. Por causa do outro, que ocupou o seu lugar. Ele expõe preciosidades que a indústria fabrica e o comércio vende. Só que não são para os pobres.

Apesar de simpático, o Papai Noel é incapaz daquilo que os anjos anunciaram naquela noite: glória a Deus e paz aos homens amados por Ele. Você, Menino Jesus, veio para mostrar que Deus ama a todos nós. Mas só os pobres conseguem admitir essa verdade. Quem tem o coração dominado pelo dinheiro não precisa de Deus. Nem da paz que você veio trazer.

sábado, 30 de novembro de 2013

Grandeza que vai acabando - por Padre Orivaldo Robles

Temos a mesma procedência; se não todos, quase todos. Viemos, em grande parte, de Minas ou do interior paulista. Se apreciamos uma generosa carne de porco, talvez o façamos não por elaborada preferência culinária, mas por lembrança do estilo de vida que aprendemos com nossos pais e avós. Na vida roceira em que fomos criados, matar porco era um ritual que envolvia toda a família. Por vezes, até algum vizinho, chamado a ajudar. Era trabalho que começava de manhã bem cedo. A gritaria do animal causava impressão ruim. A mãe tentava impedir que as crianças deixassem a cama para assistir. Se já estavam de pé, aconselhava a que se mantivessem afastados. Não era bom que presenciassem a violência que cabia ao pai executar. Nem deviam sentir pena do bicho. Quanto maior o dó que dele tivessem, tanto mais ele demoraria a morrer. Era a crendice aceita por todos. No fim, as recomendações mostravam-se inúteis. Que moleque ia perder um espetáculo daquele? Pouco depois, lá estavam todos chutando a bexiga do infeliz transformada em bola enchida pelo sopro num canudo de mamona e amarrada num barbante.
Naquele tempo, não se encontrava família que não observasse o ritual de enviar aos vizinhos um prato de carne do porco abatido. A dona da casa ordenava: “Leve para a Dona Benedita e fale que foi a mãe que mandou”. Explicação, a rigor, desnecessária. Logo cedo o berreiro avisava, a quilômetros de distância, que chegaria carne fresca para o almoço. Embora a carne fosse mesmo um subproduto. Porcos se criavam por causa da banha usada para cozinhar. Matava-se capado da ceva, mantido na engorda até criar toucinho de quatro dedos de altura no lombo. Carne de porco na nossa infância tinha um sabor que a gente deixou de sentir faz tempo. A vizinha recebia o presente, com a explicação pela frugalidade: “A mãe falou para não reparar que desta vez era um porquinho pequeno”. 
Sempre me impressionou esse curioso jeito de viver dos pobres. Sim, porque maior ou menor, todos tinham suas dificuldades. Contudo, em mesa nenhuma faltava o de comer. Generosidade era a grandeza de todos; partilha, o dever sagrado até de quem não tinha religião. Ninguém mesquinhava aos outros as coisas que possuía. Verduras da horta, leite das vacas, ovos das galinhas, frutas do pomar..., fosse o que fosse. Receber dinheiro por isso? Qualquer um teria vergonha até de pensar. Éramos vizinhos, não comerciantes. Não passava pela cabeça de ninguém fazer lucro com a precisão do outro. Se hoje eu tenho, amanhã posso muito bem não ter. Assim como hoje eu ajudo, amanhã, quem sabe, eu precise de ajuda.
Daí a estranheza que me causam pessoas estufadas de ganância, como tantas que se veem. Pessoas fissuradas por levar vantagem em tudo e a qualquer custo. Que ridicularizam princípios como vida comum, solidariedade, partilha, amizade, espirito de serviço, bondade de coração... Será que nossos velhos não nos souberam educar? Só nos transmitiram baboseiras? Transformaram-nos em pobres coitados, incapazes de descobrir as chances que a vida sempre oferece e que só os idiotas não aproveitam?

Às vezes, fico aturdido, confesso. Apesar de tudo, desejo e espero que Deus me deixe morrer como o tolo que, lá na roça, aprendi a ser.