sábado, 10 de agosto de 2013

O Dom Jaime que conheci - por padre Orivaldo Robles

Com ele convivi 55 anos. Figura incrível que não lembro com tristeza. Dele, uma passagem dolorida e jocosa; outra séria. Ambas verídicas. Escrevi-as em 2006:
1. Primeiros anos da Diocese. Maringá não tinha água tratada. Dom Jaime apanhou terrível infecção intestinal, uma giardíase que o acompanhou por longos e sofridos anos. Para ele as visitas pastorais, que jamais deixou, passaram a ser um suplício. Perdeu a conta das vezes que, em capelas rurais onde estava crismando, ao necessitar de um banheiro, verificava que simplesmente não existia tal peça. Por desoladora experiência comprovou a triste verdade do que é relatado como anedota, mas pode bem ter acontecido. Lá no sertão baiano, segundo contam, ter-se-ia um bispo hospedado em casa de rico fazendeiro, senhor de muitas terras e gado, mas de cultura pouca e de hábitos rudimentares. Não vendo nos aposentos nenhum sinal de sanitários, delicadamente o bispo foi informar-se com o anfitrião. O fazendeiro, chamando-o fora, estendeu o braço e apontou: “Olhe, seu bispo, daqui até o Piauí o senhor use à vontade”. Por conta das humilhações sofridas, Dom Jaime desenvolveu verdadeira obsessão por banheiros nas residências dos padres. Sua casa atual, incluindo área de serviço e residência das irmãs, conta com “apenas” dezesseis. Quando lhe foi apresentada a planta da casa paroquial de Santa Maria Goretti, aos existentes ele mandou ajuntar outros três: a casa conta agora com sete sanitários. Diante da exigência do aumento do número de banheiros para a construção da futura casa paroquial de São Mateus Apóstolo, um dos membros da comissão estranhou: “Lá em casa tem sete pessoas e só um banheiro. Aqui, para um padre o senhor quer três.” Mas o bispo não arredou pé: “Ou constroem mais ou não autorizo a casa paroquial. Nem crio a paróquia” (“A Igreja que brotou da mata”, p. 223).
2. Antonio Facci, pioneiro de Maringá e escritor, observou, há não muito tempo, que Maringá se constitui em cidade diferente de todas as outras de igual porte. Não só pela exuberância de uma arborização que ainda preserva parte do verde da mata original. Não só pela pujança de seu comércio, que chegou a ostentar, faz algum tempo, o posto de segunda praça atacadista do Brasil, atrás apenas de São Paulo. Não só pelo número de universidades e cursos superiores, que hoje atraem estudantes do Brasil inteiro e de países vizinhos. Acima de tudo, Maringá é diferente porque, sessenta anos depois de nascida, mantém elevado nível de solidariedade, como acontecia entre os primeiros moradores. As dezenas de obras beneficentes, multiplicadas e visíveis por todos os cantos, refletem a marca de um sofrido começo, quando os habitantes daquela boca de mato cultivavam laços fortes de união, sob pena de sucumbirem às agruras do meio. Não se podia estiolar o espírito de família que os tornava não só unidos, mas responsáveis um pelo outro, e todos, pela cidade que era sua.

Em outros lugares esse calor de vida se perdeu. Não em Maringá. Por uma razão historicamente inegável, segundo Facci. Porque Maringá teve o privilégio de acolher um homem que lhe ensinou, pelo exemplo de anos seguidos, a abrir o coração para as necessidades do outro. Mais ainda: ele transmitiu uma lição que Maringá incorporou à sua experiência de vida: a lição de que o outro não é estranho, é irmão. Esse homem se chama Dom Jaime Luiz Coelho (id. p. 212).

sábado, 3 de agosto de 2013

O papa no Brasil - por padre Orivaldo Robles

Ainda por muito tempo se falará da visita do papa Francisco. Para os mais velhos ela lembrou a primeira visita de um papa ao Brasil. Foi a de João Paulo 2°, em 1980. Tudo era novidade então. A começar pelo beijo no solo do aeroporto, ao desembarcar, em 30 de junho. No espaço de 12 dias, ele percorreu 14 mil quilômetros e 13 cidades: Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Aparecida, Porto Alegre, Curitiba, Manaus, Recife, Salvador, Belém, Teresina e Fortaleza. Uma das mais longas de suas 207 viagens apostólicas, nos quase 27 anos de pontificado (1978-2005). Algumas foram curtas, para o interior da Itália. Assim mesmo, comparado aos predecessores, Karol Wojtyla viajou mais do que todos juntos, de São Pedro a João Paulo 1°. Nessa primeira viagem ao Brasil, aos 60 anos, esbanjava vigor de um atleta. Nascido e criado na Polônia, além de vida extremamente regrada, o tempo livre ele preenchia com a prática do alpinismo. Nenhuma surpresa, portanto, que exibisse um físico invejável. Numa dessas revistas de amenidades, que se folheiam em salas de espera de médico ou dentista, li, na época, declaração de uma socialite brasileira para quem ele seria um dos homens mais sexy do mundo. Que observação profunda, não?
Lá em casa, a primeira visita de um papa teve significado especial. Pouco antes, o pai sofrera um AVC. É uma doença chata, que também afeta o emocional, levando o paciente a chorar por qualquer motivo. Qualquer motivo, uma pinoia! Vá saber o que muda no íntimo do coitado. O pai sempre fora um leão diante de dificuldades. Agora, a todo o momento, enchia os olhos de lágrimas. Comendo ou bebendo, se, do canto da boca, lhe escorria comida ou bebida; se derrubava o garfo ou o copo, parava na hora e começava a chorar. Era uma humilhação sentir-se incapaz de atos rotineiros. Só com dificuldade entrava em automóvel ou alcançava o meio-fio da calçada. Eu tinha que lhe sustentar a perna, cuidando que não tropeçasse feito bêbado. 
Por isso, aquela a visita do papa lhe fez enorme bem. Foram 12 dias cheios de novidade e de intensa emoção. Ele passava diante da TV de manhã à noite. A Globo não mostrava outra coisa. Cobriu todos os passos do papa. De Marialva eu vinha ver o pai. Encontrava-o na salinha minúscula, sentado no sofá, de olhos fitos na TV. Lacrimejantes, quase sempre. Não conseguia ver o papa sem chorar. A mãe lhe dava, em vez de lenço, uma toalha de rosto.
Seu AVC não foi daqueles de aleijar. Ele recebeu bom atendimento médico. Além da terapia lacrimal da televisão. A seu modo, tudo funcionou. Menos de um ano depois, andou no caminhão Mercedes 1113 de um sobrinho. Sem ajuda de ninguém para subir ou descer.
Agora, na Jornada Mundial da Juventude, o papa Francisco fascinou a todos. Difícil comparar as duas visitas. Cada uma teve sua magia e sedução. O papa, por si, não muda ninguém. Nós é que precisamos mudar para uma vida de maior fraternidade.

Senti que o pai não estivesse ali na sala, na frente da TV. Estou certo de que, de novo, se desmancharia em lágrimas. Espanhol, não precisaria de tradução para os discursos feitos num castelhano de sotaque argentino. Como qualquer brasileiro, deixar-se-ia encantar por esse homem que, embora sendo o papa, demonstra a mesma simplicidade que um pobre lavrador, no sofá da sala, conversando diante da TV.