Ainda por muito tempo se falará da visita do papa
Francisco. Para os mais velhos ela lembrou a primeira visita de um papa ao
Brasil. Foi a de João Paulo 2°, em 1980. Tudo era novidade então. A começar
pelo beijo no solo do aeroporto, ao desembarcar, em 30 de junho. No espaço de
12 dias, ele percorreu 14 mil quilômetros e 13 cidades: Brasília, Belo
Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Aparecida, Porto Alegre, Curitiba,
Manaus, Recife, Salvador, Belém, Teresina e Fortaleza. Uma das mais longas de
suas 207 viagens apostólicas, nos quase 27 anos de pontificado (1978-2005).
Algumas foram curtas, para o interior da Itália. Assim mesmo, comparado aos
predecessores, Karol Wojtyla viajou mais do que todos juntos, de São Pedro a
João Paulo 1°. Nessa primeira viagem ao Brasil, aos 60 anos, esbanjava vigor de
um atleta. Nascido e criado na Polônia, além de vida extremamente regrada, o
tempo livre ele preenchia com a prática do alpinismo. Nenhuma surpresa,
portanto, que exibisse um físico invejável. Numa dessas revistas de amenidades,
que se folheiam em salas de espera de médico ou dentista, li, na época,
declaração de uma socialite brasileira para quem ele seria um dos homens mais
sexy do mundo. Que observação profunda, não?
Lá em casa, a primeira visita de um papa teve
significado especial. Pouco antes, o pai sofrera um AVC. É uma doença chata,
que também afeta o emocional, levando o paciente a chorar por qualquer motivo.
Qualquer motivo, uma pinoia! Vá saber o que muda no íntimo do coitado. O pai
sempre fora um leão diante de dificuldades. Agora, a todo o momento, enchia os
olhos de lágrimas. Comendo ou bebendo, se, do canto da boca, lhe escorria
comida ou bebida; se derrubava o garfo ou o copo, parava na hora e começava a
chorar. Era uma humilhação sentir-se incapaz de atos rotineiros. Só com
dificuldade entrava em automóvel ou alcançava o meio-fio da calçada. Eu tinha
que lhe sustentar a perna, cuidando que não tropeçasse feito bêbado.
Por isso, aquela a visita do papa lhe fez enorme
bem. Foram 12 dias cheios de novidade e de intensa emoção. Ele passava diante
da TV de manhã à noite. A Globo não mostrava outra coisa. Cobriu todos os passos
do papa. De Marialva eu vinha ver o pai. Encontrava-o na salinha minúscula,
sentado no sofá, de olhos fitos na TV. Lacrimejantes, quase sempre. Não
conseguia ver o papa sem chorar. A mãe lhe dava, em vez de lenço, uma toalha de
rosto.
Seu AVC não foi daqueles de aleijar. Ele recebeu
bom atendimento médico. Além da terapia lacrimal da televisão. A seu modo, tudo
funcionou. Menos de um ano depois, andou no caminhão Mercedes 1113 de um
sobrinho. Sem ajuda de ninguém para subir ou descer.
Agora, na Jornada Mundial da Juventude, o papa
Francisco fascinou a todos. Difícil comparar as duas visitas. Cada uma teve sua
magia e sedução. O papa, por si, não muda ninguém. Nós é que precisamos mudar
para uma vida de maior fraternidade.
Senti que o pai não estivesse ali na sala, na
frente da TV. Estou certo de que, de novo, se desmancharia em lágrimas.
Espanhol, não precisaria de tradução para os discursos feitos num castelhano de
sotaque argentino. Como qualquer brasileiro, deixar-se-ia encantar por esse
homem que, embora sendo o papa, demonstra a mesma simplicidade que um pobre
lavrador, no sofá da sala, conversando diante da TV.
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