Com
ele convivi 55 anos. Figura incrível que não lembro com tristeza. Dele, uma
passagem dolorida e jocosa; outra séria. Ambas verídicas. Escrevi-as em 2006:
1.
Primeiros anos da Diocese. Maringá não tinha água tratada. Dom Jaime apanhou
terrível infecção intestinal, uma giardíase que o acompanhou por longos e
sofridos anos. Para ele as visitas pastorais, que jamais deixou, passaram a ser
um suplício. Perdeu a conta das vezes que, em capelas rurais onde estava
crismando, ao necessitar de um banheiro, verificava que simplesmente não
existia tal peça. Por desoladora experiência comprovou a triste verdade do que
é relatado como anedota, mas pode bem ter acontecido. Lá no sertão baiano, segundo
contam, ter-se-ia um bispo hospedado em casa de rico fazendeiro, senhor de
muitas terras e gado, mas de cultura pouca e de hábitos rudimentares. Não vendo
nos aposentos nenhum sinal de sanitários, delicadamente o bispo foi informar-se
com o anfitrião. O fazendeiro, chamando-o fora, estendeu o braço e apontou:
“Olhe, seu bispo, daqui até o Piauí o senhor use à vontade”. Por conta das
humilhações sofridas, Dom Jaime desenvolveu verdadeira obsessão por banheiros
nas residências dos padres. Sua casa atual, incluindo área de serviço e
residência das irmãs, conta com “apenas” dezesseis. Quando lhe foi apresentada
a planta da casa paroquial de Santa Maria Goretti, aos existentes ele mandou
ajuntar outros três: a casa conta agora com sete sanitários. Diante da
exigência do aumento do número de banheiros para a construção da futura casa
paroquial de São Mateus Apóstolo, um dos membros da comissão estranhou: “Lá em
casa tem sete pessoas e só um banheiro. Aqui, para um padre o senhor quer
três.” Mas o bispo não arredou pé: “Ou constroem mais ou não autorizo a casa paroquial.
Nem crio a paróquia” (“A Igreja que brotou da mata”, p. 223).
2.
Antonio Facci, pioneiro de Maringá e escritor, observou, há não muito tempo, que
Maringá se constitui em cidade diferente de todas as outras de igual porte. Não
só pela exuberância de uma arborização que ainda preserva parte do verde da mata
original. Não só pela pujança de seu comércio, que chegou a ostentar, faz algum
tempo, o posto de segunda praça atacadista do Brasil, atrás apenas de São
Paulo. Não só pelo número de universidades e cursos superiores, que hoje atraem
estudantes do Brasil inteiro e de países vizinhos. Acima de tudo, Maringá é diferente
porque, sessenta anos depois de nascida, mantém elevado nível de solidariedade,
como acontecia entre os primeiros moradores. As dezenas de obras beneficentes,
multiplicadas e visíveis por todos os cantos, refletem a marca de um sofrido começo,
quando os habitantes daquela boca de mato cultivavam laços fortes de união, sob
pena de sucumbirem às agruras do meio. Não se podia estiolar o espírito de família
que os tornava não só unidos, mas responsáveis um pelo outro, e todos, pela cidade
que era sua.
Em outros lugares esse
calor de vida se perdeu. Não em Maringá. Por uma razão historicamente inegável,
segundo Facci. Porque Maringá teve o privilégio de acolher um homem que lhe
ensinou, pelo exemplo de anos seguidos, a abrir o coração para as necessidades
do outro. Mais ainda: ele transmitiu uma lição que Maringá incorporou à sua experiência
de vida: a lição de que o outro não é estranho, é irmão. Esse homem se chama Dom
Jaime Luiz Coelho (id. p. 212).
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