Saiu
em dezenas de publicações deste Brasil tão precisado de boas notícias. Deu até
no Jornal Nacional. Prova de que o fato está fora dos padrões convencionais. É uma
daquelas coisas que parecem impossíveis de acontecer por aqui. Que, contadas,
as pessoas vão chamar de lorota. Mas não é. É pura verdade.
Aconteceu
em Jales, cidade de 50.000 habitantes, no noroeste
paulista, distante 590 km da capital do Estado. Quando de sua elevação a
município, há mais de 60 anos, minha
família morava lá. Na época, era apenas um montinho mal ajeitado de casas. Os
moradores não iam além de poucos milhares. Ainda assim, porque seis vilarejos,
espalhados em derredor, foram-lhe atribuídos como distritos a fim de assegurar população
necessária ao seu novo status. Pois essa é a Jales, que, por esses dias, veio
nos devolver a fé na pureza da raça humana, que ainda tem integridade, sim. Pelo
menos, alguns dos seus representantes.
Deu-se
que, ao lado de outro imbecil, um rapaz de 18 anos foi preso por ter assaltado
um posto de combustíveis e uma farmácia. O pai, Dorivaldo Porfírio de Lima, servente
de pedreiro, que sobrevive com pouco mais do que o salário mínimo e nem carteira
assinada possui, procurou os donos dos estabelecimentos, com intenção de
restituir a importância roubada. Assumiu a responsabilidade pela devolução dos
1500 reais correspondentes à parte do filho no duplo assalto. Esclareceu que,
embora sua condição financeira não lhe permitisse quitar toda a dívida de uma
só vez, estava disposto a saldá-la em dez parcelas. Como garantia, deixou
assinadas notas promissórias correspondentes. Justificou: “Ninguém deve ficar
no prejuízo por culpa do meu filho. Quando sair da cadeia, ele vai trabalhar
para me pagar o que estou pagando em seu lugar”. O dono do posto mostrou
surpresa: “Nunca vi isso em lugar nenhum. Muitos não pagam nem devendo, imagine
quem não deve”.
A
notícia levou-me a recordar outro senhor, morador da mesma Jales, lá nos anos da
minha infância. Uma noite, “seu” Pascoal chegou a nossa casa trazendo pela orelha
o filho Samuel. Obrigou-o a pedir desculpa ao pai pelo furto de algumas
laranjas do nosso pomar. Samuel era colega meu e do Eraldo na escola e nas
diversões infantis. Meu irmão e eu ficamos sem saber onde enfiar a cara. O pai
argumentou com “seu” Pascoal que aquilo era traquinagem de criança. Mas com o
homem não tinha acerto. Era intransigente sobre os valores éticos que impunha à
família. Ainda lembro o fecho do episódio. No tribunal da nossa humilde sala, à
luz bruxuleante da lamparina, “seu” Pascoal, rigoroso juiz, proferiu terrível
sentença: “Prefiro um filho morto a um filho ladrão”. Pouco depois nos mudamos.
Nunca mais vi nosso amigo Samuel. Nem dele tive notícia.
Mais
de 60 anos separam os dois episódios. São dois pais cujos princípios pesam mais
do que dinheiro, luxo, ostentação, prazer... Mais até do que a vida. Para eles,
se falta honra, não existe vida. Apenas simulacro dela.
“Seu”
Pascoal teve sorte de não viver em nossos confusos dias. Se agarrasse hoje o
filho pela orelha, teria de se haver com o ECA, o Conselho Tutelar etc. – perigo
que Dorivaldo não corre.
A lamentar
que do naipe desses dois não sejam todos os homens e mulheres do Brasil.
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