segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Blood Money - Aborto legalizado

 Europa Filmes e a Estação Luz Filmes lançam a partir de São Paulo, no próximo dia 5 de novembro, com uma série de avant premières, o documentário “Blood Money – Aborto Legalizado”, uma produção norte-americana independente, assinada pelo diretor David Kyle.
Após o lançamento em São Paulo, têm início roadshows de pré-estreias, incluindo o Rio de Janeiro (6), Goiânia (7), Brasília (8), Belém (9), Curitiba (11), Salvador (12), Recife (13) e Fortaleza (14). Nestas cidades, Kyle falará de sua primeira incursão no cinema com esse documentário, que está se tornando um cult pelo realismo e crueza com que trata o tema e pelas denúncias que faz.
O filme de 75’ entra em cartaz nos cinemas a partir de 15 de novembro. Segundo Luís Eduardo Girão, diretor da Estação Luz Filmes, que adquiriu os direitos de distribuição no Brasil, o filme “Blood Money – Aborto Legalizado”, pretende atrair o público brasileiro, pois disseca o tema, revelando a experiência prática em um país onde o aborto é legalizado há 40 anos. ”Apesar de mais de 70% da população brasileira serem contra a legalização do aborto, de acordo com os principais institutos de pesquisa do país, o tema gera polêmica, causa grande interesse e esclarece o assunto sob vários aspectos.
Por isso esperamos que provoque repercussão, levando ao amadurecimento deste necessário debate no Brasil, onde ainda teimamos em tratar o aborto com hipocrisia”, diz Girão. O documentário de Kyle trata do funcionamento legal desta indústria nos Estados Unidos, mostrando “de que forma as estruturas médicas disputam e tratam sua clientela, os métodos aplicados pelas clínicas para realização do aborto e o destino do lixo hospitalar, entre outros temas, de forma muito realista”, conta Girão.
O filme também faz denúncias como a prática da eugenia e do controle da natalidade por meio do aborto e trata aspectos científicos e psicológicos relacionados ao tema, como o momento exato em que o feto é considerado um ser humano e se há ou não sequelas para a mulher submetida a este procedimento.
“Blood Money – Aborto Legalizado” traz, ainda, depoimentos de médicos e outros profissionais da área, de pacientes, cientistas e da ativista de movimentos negros dos EUA, Alveda C. King, sobrinha do pacifista Martin Luther King, que também apresenta o documentário. Dra. Alveda é envolvida em discussões sobre o mecanismo de controle racial nos EUA – o maior número de abortos é realizado nas comunidades negras. Segundo o diretor da Estação Luz Filmes, o amplo esclarecimento que o documentário oferece foi o que motivou sua produtora a assinar contrato com Kyle para adquirir os direitos de distribuição no Brasil. “É a primeira vez que o cinema trata o assunto desta forma, tirando-o da invisibilidade em um momento em que a mídia brasileira começa a discutir o assunto com coragem e com a importância que merece. Acreditamos que vá atrair diversos segmentos sociais e pessoas sensíveis a essa questão, sejam elas contra ou a favor da legalização do aborto no Brasil”.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Horário de verão - por padre Orivaldo Robles

Estou correndo o risco de receber paulada dos que pensam de forma diferente. Não sou versado nas ciências que tratam do assunto. Ainda assim, me arrisco a palpitar sobre o horário de verão, já em vigor. “Livre pensar é só pensar”, dizia Millôr. Exerço o direito de reclamar à toa, o “jus sperneandi”.
Não gosto desse horário. Jamais gostei. E não sou o único. Ele coleciona inimigos, assim como defensores, não sei em que proporção. Na Câmara dos Deputados repousam três projetos de lei, à espera da chance de o mandarem todos sabem para onde. Sinal de que também o detestam pessoas bem mais importantes que este obscuro escriba.
Todo ano, no terceiro domingo de outubro, desce um pesado mal-estar sobre meu corpo que, há tempo, consumiu os anos radiosos da juventude. Confesso que a primeira semana é braba. Depois, pouco a pouco, a máquina se adapta. Assim mesmo, pegando só no tranco. E contando os dias que faltam para o terceiro domingo do fevereiro seguinte.
Ouvi falar que esse horário é bom para aposentados. Também para quem pega no batente às nove da manhã. Ou ainda para os que dão expediente à tarde. Não tenho como comprovar. Cada um sabe de si. Agora, para quem pula da cama às 5h45m, inclusive nos sábados e domingos, não tem graça nenhuma. A sensação que me traz é a de que estou sempre atrasado. Parece que sobram obrigações no fim do tempo disponível para cumpri-las. É só descuidar um tiquinho que o relógio, implacável, vem buzinar na minha cabeça avisando que é tarde. Que amanhã o dia começa antes das seis. Não sei como alguns foram inventar que os dias se tornam mais longos. Que se conseguiu grande lucro com a ideia de retardar artificialmente a hora do pôr-do-sol.
Andei lendo que nos países equatoriais e tropicais a luz solar é quase a mesma, o tempo todo. Não há grande diferença entre os vários períodos do ano. No Brasil a distinção entre as quatro estações é mínima. Sem consultar a folhinha, quem sabe dizer em qual estamos? Entre maio e agosto (ou até setembro) temos dez ou doze dias frios. Fora deles, os outros são bem parecidos. Em países como o nosso não há vantagem em observar horário de verão. Tanto que o Brasil é o único país equatorial do mundo que o adota hoje.
Parece discutível o argumento de que esse horário produz grande redução no consumo de eletricidade. Entre nós ele serve, mais que tudo, para garantir o funcionamento confiável do atual modelo energético. O governo visa afastar apagões que escurecem regiões imensas, uma vez que são interligadas. Ao retardar a ligação simultânea da iluminação de todas as cidades, consegue equilíbrio na distribuição do consumo em horário de pico, isto é, quando escurece.

Não entendo do assunto, mas tenho direito de pensar: com as colossais potencialidades de energia eólica e solar de que o Brasil dispõe, por que investir apenas (ou de forma quase exclusiva) na geração de eletricidade a partir da matriz hídrica? Tapando o ouvido à grita de gente séria e entendida, dirigentes do país parecem interessados só em explorar (ou degradar?) nossos fantásticos rios e seus ricos entornos. Ou seria sujeição à ganância de empreiteiras financiadoras de campanhas eletivas? É uma dúvida plausível. Perguntar não ofende, né?

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Honestidade - por padre Orivaldo Robles

Saiu em dezenas de publicações deste Brasil tão precisado de boas notícias. Deu até no Jornal Nacional. Prova de que o fato está fora dos padrões convencionais. É uma daquelas coisas que parecem impossíveis de acontecer por aqui. Que, contadas, as pessoas vão chamar de lorota. Mas não é. É pura verdade.
Aconteceu em Jales, cidade de 50.000 habitantes, no noroeste paulista, distante 590 km da capital do Estado. Quando de sua elevação a município, há mais de 60 anos, minha família morava lá. Na época, era apenas um montinho mal ajeitado de casas. Os moradores não iam além de poucos milhares. Ainda assim, porque seis vilarejos, espalhados em derredor, foram-lhe atribuídos como distritos a fim de assegurar população necessária ao seu novo status. Pois essa é a Jales, que, por esses dias, veio nos devolver a fé na pureza da raça humana, que ainda tem integridade, sim. Pelo menos, alguns dos seus representantes.
Deu-se que, ao lado de outro imbecil, um rapaz de 18 anos foi preso por ter assaltado um posto de combustíveis e uma farmácia. O pai, Dorivaldo Porfírio de Lima, servente de pedreiro, que sobrevive com pouco mais do que o salário mínimo e nem carteira assinada possui, procurou os donos dos estabelecimentos, com intenção de restituir a importância roubada. Assumiu a responsabilidade pela devolução dos 1500 reais correspondentes à parte do filho no duplo assalto. Esclareceu que, embora sua condição financeira não lhe permitisse quitar toda a dívida de uma só vez, estava disposto a saldá-la em dez parcelas. Como garantia, deixou assinadas notas promissórias correspondentes. Justificou: “Ninguém deve ficar no prejuízo por culpa do meu filho. Quando sair da cadeia, ele vai trabalhar para me pagar o que estou pagando em seu lugar”. O dono do posto mostrou surpresa: “Nunca vi isso em lugar nenhum. Muitos não pagam nem devendo, imagine quem não deve”.
A notícia levou-me a recordar outro senhor, morador da mesma Jales, lá nos anos da minha infância. Uma noite, “seu” Pascoal chegou a nossa casa trazendo pela orelha o filho Samuel. Obrigou-o a pedir desculpa ao pai pelo furto de algumas laranjas do nosso pomar. Samuel era colega meu e do Eraldo na escola e nas diversões infantis. Meu irmão e eu ficamos sem saber onde enfiar a cara. O pai argumentou com “seu” Pascoal que aquilo era traquinagem de criança. Mas com o homem não tinha acerto. Era intransigente sobre os valores éticos que impunha à família. Ainda lembro o fecho do episódio. No tribunal da nossa humilde sala, à luz bruxuleante da lamparina, “seu” Pascoal, rigoroso juiz, proferiu terrível sentença: “Prefiro um filho morto a um filho ladrão”. Pouco depois nos mudamos. Nunca mais vi nosso amigo Samuel. Nem dele tive notícia.
Mais de 60 anos separam os dois episódios. São dois pais cujos princípios pesam mais do que dinheiro, luxo, ostentação, prazer... Mais até do que a vida. Para eles, se falta honra, não existe vida. Apenas simulacro dela.
“Seu” Pascoal teve sorte de não viver em nossos confusos dias. Se agarrasse hoje o filho pela orelha, teria de se haver com o ECA, o Conselho Tutelar etc. – perigo que Dorivaldo não corre.

A lamentar que do naipe desses dois não sejam todos os homens e mulheres do Brasil.