Se,
como dizem, homem não chora, estou mal na foto. Por muito pouco, mesmo com
esforço para segurar, acabo caindo no choro. Justifico-me apelando para as sete
décadas que carrego nas costas. Idosos são emocionalmente mais frágeis que jovens.
O duro é que no meu caso deve ser não consequência da idade, mas jeito da
madeira. Minha saída de Paranacity foi prova clara. Eu estava com trinta anos. No
discurso de despedida daquele povo que eu tanto amava, destampei numa
choradeira inconsolável. Não consegui pronunciar mais que três ou quatro
palavras. Dei um vexame histórico.
Remexendo
o fundo do baú de meu coração mole, encontro o pesar imenso que me causa a dor
especialmente de crianças. O sofrimento desses inocentes – ah, não dá – me engrola
a língua e me arranca lágrimas. Isso vem de longe. Eu tinha três ou quatro anos
quando a mãe nos contou, a mim e a meu irmão, um episódio que só de recordar
ainda me entristece. O Eraldo, mais velho, já um pouco habituado, quem sabe, às
brutalidades da vida, não pareceu ter-se impressionado tanto. Mas a mim, que
não podia imaginar ninguém mais pobre do que nós – e, contudo, nunca nos
faltara o que comer – por noites seguidas, foi-me difícil conciliar o sono. Voltava-me
à imaginação a pobre mulher (que não vi, mas a mãe contou), em conversa com o
filho pequeno a lhe implorar comida. Ela argumentava: “Mas você não comeu duas veis (sic)”? Ainda que repetido, o prato
não fora bastante para seu infantil apetite. Ou para sua fome, que é mais
pungente que qualquer apetite. Não sei que providência minha mãe tomou. Com
certeza, não foi capaz de dar solução definitiva ao problema.
Sofrimento
de criança não é aceitável para ninguém. Adulto ainda vá lá; pode explicar a
dor ou lhe oferecer resistência. Mas criança, não. Para criança a vida teria
que reservar sorriso e nada mais. Criança é botão de flor que desabrocha. É
manhã de dia que o sol clareia.
Tristeza
de criança me desata um pranto que, só a custo, quando consigo, não deixo rolar
dos olhos. Como no atendimento à jovem mulher que veio lamentar o sumiço do companheiro.
Não dava notícia havia três meses. Ela não sabia para onde ele fora nem se
voltaria. Estava sem dinheiro para o leite do garotinho. Não sabia a quem
recorrer. Podia trabalhar, mas com quem deixá-lo? Enfrentaria qualquer serviço,
mas não dispunha de ninguém para cuidar do pequeno. O bebê tinha uma beleza de
chamar a atenção. Como pode alguém, especialmente o pai, abandonar criança tão
linda? Fitava-me com olhos imensos e inexpressivos. Um pouco assustado com o
choro que a mãe fazia força para lhe ocultar. Brinquei com ele, fiz-lhe mil festas.
Não lhe arranquei sequer um arremedo de sorriso.
Dei
à mulher uma importância que poucos lhe dariam. Saiu agradecida. Em nenhum
momento o bebê desviou de mim seus olhos lindos e distantes.
Dirão
que fui tolo, eu sei. Se fui levado na conversa, não terá sido a primeira vez. À
Assistência Social, não a mim, cabe resolver esse problema. Não é meu papel.
Mas a criança me desmontou. Disfarçando para não chorar, dei dinheiro para o
leite de vários dias. Mamadeira vazia criança nenhuma merece.
Ainda me faz sofrer a lembrança daquele rostinho
lindo, dolorido, sem o encanto de um sorriso.
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