“Minha terra tem palmeiras/Onde canta o sabiá;/As
aves que aqui gorjeiam/Não gorjeiam como lá”. Fosse o seu Maranhão dominado,
como hoje, pelo clã Sarney, é provável que Gonçalves Dias não visse Coimbra
como exílio, mesmo tendo lá vivido muito jovem, como estudante, dos 15 aos 22
anos. Nem talvez sentisse tanta saudade.
Desconheço que palmeiras eram as de Caxias (MA),
sua terra, às que se refere. Não, com certeza, as garbosas palmeiras imperiais
da nossa Avenida 15 de Novembro. Imperiais, porque o primeiro exemplar foi
plantado por Dom João 6°, no Jardim Botânico do Rio, em 1809.
Para cantar sabiá prefere mesmo palmeira? Jamais
saberei. Durante muito tempo, bem cedinho, na Avenida 15 de Novembro, encantou-me
a melodia de um sabiá-laranjeira. Nunca percebi se cantava em palmeira ou noutra
árvore. Pela “Canção do Exílio” tinha que ser numa palmeira. Muitas vezes
tentei, mas é impossível vê-lo na folhagem daquela altura. Sabia esconder-se o
espertinho. Lá no alto emitia seu gorjeio, que musicava minha manhã nascente. Assim
foi por meses, nem sei quantos.
Até que, em fins do ano passado, uma ruidosa e
comercial programação de Natal tomou conta da cidade. Não sei se pelo
foguetório ou se pelo vozeado interminável de locutores gritões, o certo é que
o coitadinho assustou-se. Sumiu. Levou tempo para eu tornar a ouvi-lo. Desta vez,
lá na Praça Presidente Kennedy. Calculo que era o mesmo, embora nunca o tenha
visto. Prudentemente, há de ter buscado distância da barulheira que, até tarde
da noite, não lhe dava sossego. Recentemente, voltei a perceber, de novo, seu
canto nas palmeiras da Avenida 15. Voltou. Pelo visto, sabiá não se dá bem com saudade.
Como Gonçalves Dias. Porém não canta com a mesma frequência de antes. Também a melodia
soa um pouco diferente. Mais triste, me parece. Além de que ele abreviou o recital.
Executa apenas meia partitura.
O amiguinho cantor trouxe-me à lembrança antigo
colega seu, um ascendente longínquo talvez. No seminário do Batel, em Curitiba,
sem falhar um dia, ele acompanhava nossa oração da manhã. Antes da missa, observávamos
meia hora de meditação silenciosa. Éramos então brindados com seu primoroso
concerto. Ele devia morar no bosque do alemão, nosso vizinho. Enfeitava com
graciosas volteaduras o longo trinado. Um Milton Nascimento dos sabiás.
Fico matutando se também aos pássaros canoros antigamente
não se exigia melhor técnica e potência vocal. Porque na raça dos humanos, hoje
em dia, qualquer pobre diabo se considera cantor. Ainda que lhe falte voz, e
careça, por completo, de ouvido musical. A tecnologia do estúdio disfarça as
falhas.
Que imenso poder nós temos de modificar nosso planeta.
Até aos pássaros conseguimos arrebatar-lhes o natural habitat. Em troca, lhes
providenciamos uma versão moderna, que julgamos melhor: no campo, a monotonia
da soja, da cana e do pasto; na cidade, a aridez dos prédios, do cimento e do
asfalto. Nosso “progresso” condenou à morte até o último capãozinho de mato
nativo, onde o ar era puro e a água corria limpa; onde havia fartura de insetos,
sementes e frutas. Hoje, não Gonçalves Dias, mas o sabiá é que canta sua canção
do exílio. Numa melodia empobrecida.
Os sabiás novos desconhecem o precioso repertório dos antigos.
Também, nem lugar sobrou para os coitados ensaiarem. Assim, como vão aprender?
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