sábado, 30 de novembro de 2013

Grandeza que vai acabando - por Padre Orivaldo Robles

Temos a mesma procedência; se não todos, quase todos. Viemos, em grande parte, de Minas ou do interior paulista. Se apreciamos uma generosa carne de porco, talvez o façamos não por elaborada preferência culinária, mas por lembrança do estilo de vida que aprendemos com nossos pais e avós. Na vida roceira em que fomos criados, matar porco era um ritual que envolvia toda a família. Por vezes, até algum vizinho, chamado a ajudar. Era trabalho que começava de manhã bem cedo. A gritaria do animal causava impressão ruim. A mãe tentava impedir que as crianças deixassem a cama para assistir. Se já estavam de pé, aconselhava a que se mantivessem afastados. Não era bom que presenciassem a violência que cabia ao pai executar. Nem deviam sentir pena do bicho. Quanto maior o dó que dele tivessem, tanto mais ele demoraria a morrer. Era a crendice aceita por todos. No fim, as recomendações mostravam-se inúteis. Que moleque ia perder um espetáculo daquele? Pouco depois, lá estavam todos chutando a bexiga do infeliz transformada em bola enchida pelo sopro num canudo de mamona e amarrada num barbante.
Naquele tempo, não se encontrava família que não observasse o ritual de enviar aos vizinhos um prato de carne do porco abatido. A dona da casa ordenava: “Leve para a Dona Benedita e fale que foi a mãe que mandou”. Explicação, a rigor, desnecessária. Logo cedo o berreiro avisava, a quilômetros de distância, que chegaria carne fresca para o almoço. Embora a carne fosse mesmo um subproduto. Porcos se criavam por causa da banha usada para cozinhar. Matava-se capado da ceva, mantido na engorda até criar toucinho de quatro dedos de altura no lombo. Carne de porco na nossa infância tinha um sabor que a gente deixou de sentir faz tempo. A vizinha recebia o presente, com a explicação pela frugalidade: “A mãe falou para não reparar que desta vez era um porquinho pequeno”. 
Sempre me impressionou esse curioso jeito de viver dos pobres. Sim, porque maior ou menor, todos tinham suas dificuldades. Contudo, em mesa nenhuma faltava o de comer. Generosidade era a grandeza de todos; partilha, o dever sagrado até de quem não tinha religião. Ninguém mesquinhava aos outros as coisas que possuía. Verduras da horta, leite das vacas, ovos das galinhas, frutas do pomar..., fosse o que fosse. Receber dinheiro por isso? Qualquer um teria vergonha até de pensar. Éramos vizinhos, não comerciantes. Não passava pela cabeça de ninguém fazer lucro com a precisão do outro. Se hoje eu tenho, amanhã posso muito bem não ter. Assim como hoje eu ajudo, amanhã, quem sabe, eu precise de ajuda.
Daí a estranheza que me causam pessoas estufadas de ganância, como tantas que se veem. Pessoas fissuradas por levar vantagem em tudo e a qualquer custo. Que ridicularizam princípios como vida comum, solidariedade, partilha, amizade, espirito de serviço, bondade de coração... Será que nossos velhos não nos souberam educar? Só nos transmitiram baboseiras? Transformaram-nos em pobres coitados, incapazes de descobrir as chances que a vida sempre oferece e que só os idiotas não aproveitam?

Às vezes, fico aturdido, confesso. Apesar de tudo, desejo e espero que Deus me deixe morrer como o tolo que, lá na roça, aprendi a ser.

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