A senhora esperou-me atravessar a
rua e me deteve: “Foi bom encontrá-lo. Nesta época do ano, lembro sempre seu
ensinamento: que Natal é festa do Menino Jesus, não do Papai Noel. Tinha que
lhe contar, sabe? Ano passado, levei meu sobrinho ao shopping. Queriam fazê-lo
sentar-se no colo do Papai Noel. Ele se recusou. Muito firme, disse: ‘Natal é
aniversário do Menino Jesus, não do Papai Noel’. Fiquei feliz de ver como ele
aprendeu bem o que a gente ensina em casa”.
O período natalino volta com força
e o velho gordo reaparece nas ruas, shoppings e lojas de toda a cidade. Com
esse calorão mais forte a cada ano, é preciso coragem para envergar fardão vermelho,
botas grossas, vasta barba e cabelos compridos. Com aquela cara de feliz,
sorrindo para os pequenos. Às vezes um energúmeno resolve puxar-lhe a barba
para conferir se é de verdade. Porque existe Papai Noel com barba verdadeira. Alguns
a deixam crescer para compor uma fantasia mais realista. Imagino o calor que
Papai Noel suporta em Araçatuba, Ilha Solteira ou Cuiabá.
Devo admitir que não alimento mais
a ojeriza que, no passado, eu nutria pelo velho de uniforme vermelho. Consequência
da idade, talvez. Com o passar dos anos, a gente vai se conformando com as
limitações próprias e alheias. Esforço-me por compreender esses senhores
rotundos, sorridentes, de barba branca, interessados em dar alegria às crianças
nas portas das lojas. Estou certo de que preferem o turno da noite, quando a
temperatura baixa e as luzes brilham. O calor do sol os maltrata e judia das
crianças. Dá dó vê-las arrastadas pelos pais, chorando, nariz escorrendo, doidas
para voltar para casa.
Nunca
tive intimidade com Papai Noel. Criado na roça, atravessei minha infância
inteira sem ele. Nem dei pela sua ausência. Os meninos à minha volta, pobres
como eu, também o desconheciam. Éramos felizes à nossa moda. Garotos do sítio,
tínhamos pai e mãe para cuidar de nós, dar-nos o necessário e nos ensinar como viver.
Nossos brinquedos não eram comprados. Os de hoje nem existiam. Menos ainda
esses modernos, cheios de nove horas, que já vêm brincados. Criança de hoje não
brinca; aperta botões. Ganha umas geringonças que trazem prontas todas as
possibilidades e recursos. Ela só precisa ligar. Quem brinca é a máquina. A criança
fica assistindo.
Na nossa infância não
precisávamos, talvez, do Papai Noel. Dos pais, sim, nós precisávamos. Do pai
para os meninos, da mãe para as meninas. Eram eles que fabricavam nossos
brinquedos. E brincavam conosco. Hoje são as crianças que ensinam aos pais como
funciona o brinquedo. Pai e mãe servem para dar dinheiro. E basta.
Sou mais condescendente com Papai
Noel. Mas ele continua o mesmo intruso. O invasor de um espaço que não é seu. Natal
celebra o nascimento de Jesus. Jesus é o grande presente dado por Deus à
humanidade. Papai Noel não dá. Ele tira. Tirou o dono da festa e tomou o seu lugar.
Os shoppings do Brasil investem quase
trezentos milhões em publicidade neste Natal. Para vender presentes e ganhar
dinheiro. Ninguém pensa no Menino Jesus, que não sabe fazer propaganda. Quem
manda no Natal é Papai Noel.
Estranho Natal o nosso, não? O aniversariante
levou cartão vermelho. E um intruso virou o dono da festa.
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