Outro
dia, me dei ao cuidado de conferir a letra de “O que é, o que é?”, imortal
samba de Gonzaguinha, falecido há 22 anos (tudo isso já?) em acidente no
Sudoeste do nosso Estado. Nunca o tinha feito. Que riqueza de inspiração! Ele
bem que podia ter durado mais que os seus poucos 45 anos. Ainda estaria
produzindo coisas belíssimas, de valor incontestável. Muito melhores que as
tolices de pretensos compositores, que frequentemente nos obrigam a ouvir em
altíssimo volume. Sem pedir licença, alguns “donos” das ruas enfiam essas porcarias
em nossos ouvidos. Nós, pobres vítimas, que podemos fazer?
Há
tempo, venho-me convencendo de que atravessamos a era da mediocridade feliz. Na
minha pobríssima opinião – que ninguém pediu, eu sei, e a poucos interessa –, grande
parcela da sociedade vai sendo tangida por uma crescente imbecilização feita de
desprezo do belo, do bom e do verdadeiro. Aprecia-se tão só o que oferece
desfrute imediato, satisfação no momento, ainda que com sacrifício de valores
perenes. Importa é conseguir prazer, dinheiro, prestígio, fama, admiração...,
numa palavra, gozar a vida. “Edamus et
bibamus, cras enim moriemur” (“comamos e bebamos, porque amanhã
morreremos”) – eis a proposta do
consumismo moderno, que de moderno nada tem. Os romanos a herdaram dos
filósofos hedonistas gregos. Até o profeta Isaías a conhecia (Is 22, 13).
Recordo que,
em garoto, no seminário de São José Rio Preto, o holandês padre Alcuíno Derks levou mais
de um mês ajudando-nos a refletir, um pouquinho por dia, sobre o tema: Vale a
pena viver. Seu português canhestro tornou-o motivo de piada nos nossos recreios.
Longe de seus ouvidos, fazíamos chacota da frase “Vale a pena de (sic) viver
não só para comer doces e bolas” (sic), repetida por ele como um mantra para
nos convencer do valor da vida.
Muitos anos mais
tarde, o gênio de Gonzaguinha veio proclamar a excelência da vida. Que é ela? “Doce
ilusão, maravilha, sofrimento, alegria, lamento, um nada, uma gota, menos que
um segundo, um divino mistério, o sopro do criador numa atitude repleta de amor”?
Tudo isso e mais ainda.
Num passado que há
muito se perdeu, lá no sertão, cunharam o dito “matar para ver o tombo”. Traduzia
o desprezo pela vida. Eram tempos de ignorância, de profundo atraso. Ainda não
tinha chegado a civilização. Quando aportasse lá o progresso, tudo seria
diferente. Haveria mudança para melhor. A vida seria apreciada no seu devido
valor.
Vieram estradas,
escolas, carros, aviões, computadores, celulares, ferramentas de comunicação
ultramodernas... Em vez de melhorar, parece que piorou. Assassino hoje nem quer
saber como a vítima caiu. Matam-se crianças, mulheres, índios, mendigos,
homossexuais. Armas que a gente só via no cinema estão na mão de crianças no
meio da rua, de dia. Gente, e a vida?
Antes de ter
ceifada a sua, querido Gonzaguinha, você conseguiu brindar-nos com um luminoso
hino à sublimidade desse divino dom, que nada fizemos por merecer. Quando dele
tomamos consciência, já o vínhamos desfrutando há anos. Muito obrigado por
advertir-nos de que precisamos parar um tempinho, toda manhã e toda noite, para
nos perguntar: “A vida, o que ela é? Que estou fazendo da minha? Como trato a
dos que vivem ao meu lado”?
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