sexta-feira, 26 de março de 2010

Não há reparação sem amor aos que sofrem

Este texto está publicado no jornal Folha de São Paulo, de hoje. Pode ajudar nas nossas reflexões…

A IGREJA CATóLICA acordou muito tarde para um de seus maiores problemas atuais. O problema não é só dela, pedófilos infelizmente existem em muitos lugares -das igrejas à internet. Um artigo recente de João Pe reira Coutinho nesta Folha ("Padres e pedófilos", Ilustrada, 23/3/2010) aborda essas questões e por isso, nesta linha, eu paro por aqui. A grande questão é o que fazer com esse problema...

A Carta pastoral do Santo Padre Bento 16 aos católicos na Irlanda (o leitor encontra-a com este título na internet) é bem clara em vários pontos. Para começar, os católicos (a começar pelos bispos) demoraram para reagir. Agora é necessário assumir a culpa, a dor e o constrangimento pela omissão. Além disso, a justiça -tanto a divina como a humana- tem que ser cumprida. Por fim, a igreja se vê como um corpo, onde o órgão doente ou que fez o mal afeta todo o conjunto e deve ser acompanhado em sua recuperação e expiação por todo o conjunto. Portanto, a solidariedade com as vítimas e o esforço de superar o mal praticado é de todos.

Sem estereótipos

Para entender corretamente como a igreja vive esse seu drama interno, o leitor terá que abandonar os estereótipos anticlericais que a imaginam recheada de pervertidos, hipócritas e cínicos, que usam um discurso religioso para enganar os crédulos. Terá que compreender que trabalha com a instituição e a comunidade religiosa que, por séculos, carregou os ideais de dignidade, amor e solidariedade na sociedade ocidental. Um lugar onde justiça sempre foi articulada com amor, perdão e misericórdia; responsável pelos primeiros hospitais, orfanatos, casas de acolhida a idosos etc.

Como fazer justiça e, ao mesmo tempo, ser misericordioso? Como praticar uma justiça verdadeiramente restauradora, e não apenas punitiva, frente a um mal tão grande? Estas eram as perguntas certas, as difíceis de responder -as que realmente mereciam ser respondidas. Perdoem-me os leitores que não se encaixam nessa observação, mas a busca de justiça que fazemos em nosso cotidiano frequentemente tem muito mais a ver com a busca por vingança ou por condenação que por busca por perdão e restauração. Inclusive porque sabemos, para nosso desespero, que somos totalmente impotentes para restaurar os grandes males cometidos.

Nenhum dinheiro paga

As reparações financeiras são o mínimo que se pode dar -ajudam pelo menos a pagar uma boa terapia. Mas nenhum dinheiro pode reparar uma dignidade ferida. Por isso, dar dinheiro é o mínimo que se pode fazer. Não é possível reparação para esses danos sem um castigo justo, mas também sem o amor incondicional aos que sofrem. Só este amor pode fazer a esperança nascer das coisas mais hediondas que podemos encontrar. Este amor não é dó, comiseração, mas perceber que eu não me realizo sem me entregar ao outro, que ele tem uma grandeza, uma beleza, uma dignidade, que transcende toda dor, toda humilhação que ele sofreu.

A Igreja Católica vai ter que seguir o seu calvário de culpa e dor por esses acontecimentos. Alguns dentro dela vão ter que se confrontar com a Justiça dos homens. Mas esta não é a grande questão que se joga neste momento.

Caro leitor, diante de um caso de pedofilia, de uma criança assassinada brutalmente, do aparente absurdo que o mal parece distribuir a nossa volta todos os dias, o que cada um de nós sente? Somos capazes de olhar com ternura e comoção para este bicho humano, que mal consegue se erguer sobre duas patas, mas sonha com as estrelas? Somos capazes de uma compaixão que nos faz mais capazes de amar a nós mesmos e aos outros? Ou nos tornamos um pouco mais brutos, também nós mais cínicos e desesperançados?

A igreja terá que seguir o seu calvário, mas não pode deixar de anunciar ao mundo que seu pecado não é a última palavra, que existe um amor capaz de superar todo o mal.

FRANCISCO BORBA RIBEIRO NETO é coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP. Dedica-se aos temas de bioética, cultura, ciência e religião. é um dos organizadores dos livros Um diálogo latino-americano: bioética e Documento de Aparecida (Difusão Editora, 2009) e Economia e vida na perspectiva da encíclica Caritas in veritate (Companhia Ilimitada, 2010).

fonte: Folha de S. Paulo

2 comentários:

Vanilde disse...

É preciso sair de mim para entender/perdoar o outro.
realmente julgamos com vingança e não com justiça.
Enquanto a mídia fala dos padres pedófilos, o resto do mundo se esquece do homossexualismo, estupro, prostituição infantil, médicos e outros tantos profissionais estupradores, aproveitadores, etc, etc, etc...
O mundo está sofrendo. é o fim?

voandoaosabordovento.blogspot.com disse...

Não há dúvidas de que a verdadeira justiça é isenta de "partidarismos", por isso ela se torna pura. Contudo, sejamos realistas, o fato da haver uma abstinência imposta contribui para os fenómenos demoníacos como a pedofilia e os relacionamentos as ocultas (no caso dos clérigos). Assim sendo, a causa das injustiças é localizada, por isso pode ser resolvida. Porque verdadeira injustiça é deixar que por causa de uns (clérigos) paguem os outros (fieis), sendo todos (Igreja) conotados por falsos e anti cristãos!

Shalom

Ben