domingo, 24 de março de 2013

A primeira pedra - por padre Orivaldo Robles


Com surpresa, pesar e oito meses de atraso, tomei conhecimento da morte do Augustinho. Morava em Mirassol, quando entrou no seminário de São José do Rio Preto. Era o caçula da nossa turma de 1953. No dia 11 de julho passado sofreu um enfarte. Estava com 69 anos, o que, para os nossos dias, não é velhice. Pesquisador do CNPq, apaixonado por temas que iam desde o “futebol até as mais complexas teorias da Física”, era uma “fonte viva de consulta”, na opinião de colegas. Já na infância, além do fino humor, revelava surpreendente inclinação para a Matemática, que fazia antever o notável professor em que se converteria. No seminário ficou pouco. Tempos depois que tinha saído, soubemos que ingressara no ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica, de São José dos Campos. Era preciso ser muito cobra para isso. Para nós não foi novidade. O geniozinho acumularia título sobre título, até se laurear com o pós-doutorado pelo MIT – Massachussetts Institute of Tecnhology. Jamais abandonaria a paixão e a prática do ensino.
Dele recordo uma passagem própria dos meninos que éramos. Nosso pátio era amplo, em dois níveis, cortado no meio por um barranco em cuja falda se amontoavam terrões, que pareciam pedir para serem atirados em alguém. Por ali passávamos a caminho do campo de futebol. Num recreio de domingo, o Augustinho inventou uma provocação de brincadeira contra meia dúzia de colegas. Logo ele, o menorzinho de todos. Um Davi contra seis Golias. Em prudente distância, abriu dramaticamente os braços e desafiou: “Quem dentre vós não tiver pecado atire a primeira pedra”. Para sua surpresa, foi alvejado por uma chuva de duras bolotas de terra. Só lhe restou bater em retirada. Não sem protestar, aos berros: “Seus pagãos, vocês não conhecem o evangelho? Ninguém tacou pedra na mulher”. Inútil. Não lhe deram ouvidos. Perseguiram-no, morrendo de rir.
Vem-me à lembrança esse causo todas as vezes que leio, como na missa do último domingo, o episódio narrado por João (Jo 8,1-11). Jesus deu preciosa lição aos líderes religiosos do seu tempo. Lembrou-lhes que não eram melhores do que a mulher adúltera, que queriam apedrejar. É fácil imaginar a decepção que sentiram, acostumados como estavam a olhar os outros de cima para baixo, com desprezo e ar de superioridade.
Por que será tão difícil à nossa obstinada natureza humana admitir que todos somos passíveis de erro? Que não faz nenhum sentido presumirmos de ocupar posição melhor que nossos semelhantes? Pertencemos à mesma humanidade deles, cheia de idênticas misérias e defeitos. Ninguém está isento de cometer os erros que condena nos seus irmãos.
Exemplo: não é verdade que todos somos livres? Inclusive para professar a religião de nossa escolha. Então, por que não nos empenharmos em conviver harmoniosamente uns com os outros? Por que insultar quem segue orientação religiosa diferente? Blogs, facebooks e outras ferramentas das chamadas redes sociais fervilham de opiniões agressivas e repletas de ódio. Há gente que se aproveita da sombra do anonimato ou de codinome para expelir veneno. Ou inverdades. Que proveito a sociedade alcança com essa prática?  Felicidade, paz, bem-estar?
Estamos entrando na semana santa. Boa oportunidade para refletir: será que não tem pecado quem vive lançando diatribes contra a religião alheia? Qual seu interesse atirar a primeira pedra? Isso, quando não atira todas, da primeira à última.

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