segunda-feira, 15 de abril de 2013

Casamento e tempo - por padre Orivaldo Robles


“Não podemos esquecer o tempo. Ele também passa pelo corpo que envelhece. A garota que conheci com vinte anos não é a mesma aos setenta. Existem ainda as enfermidades. Mas o mundo atual não quer que vejamos. Todos são jovens, bonitos, sem doenças. Ora, isso é contrário à experiência humana de todos os dias. Na hora da verdade, basta atravessar a rua para ver que a realidade é outra. Isso acontece porque há um materialismo de fundo que destrói o tempo. Porque não há vida interior e relação com Deus. A juventude e a obsessão com o corpo querem estar no mesmo nível que o espiritual. Se o corpo estabelece as regras de vida, tudo muda. A isso se acrescentam as enormes dificuldades econômicas que as famílias enfrentam; os problemas no trabalho, o desemprego, e até mesmo o fato de que o casal chega a casa exausto do trabalho. No final do dia, cada um viveu uma experiência diferente e não é possível compartilhá-la, porque a sociedade não permite. Tudo isso tem um preço, que é pago pela família. É preciso refletir sobre todos esses condicionamentos sociais da vida familiar”.
Quem passou dos setenta endossa as colocações acima, feitas por Georges Cottier, cardeal e teólogo pontifício emérito. É incrível com que brutalidade o tempo impõe ao nosso corpo transformações que, na infância e juventude, sequer em sonho calculávamos que aconteceriam. Até admitíamos que a vida é passageira, que a idade provoca mudanças. Mas não sabíamos, como agora, o que é suportá-las, quando chegam e se instalam.
Considerando como, hoje em dia, as pessoas vivem, eu me pergunto: qual futuro haverá para as famílias? Não sou maniqueu nem alarmista. Mas, pelo que venho observando, só vale o desfrute do momento. Sôfrego, intenso, arrebatador. Total e definitivo, como se o mundo fosse acabar no minuto seguinte. Como se ali residisse a única chance de ser feliz. E que, se for perdida, não voltará a se apresentar.
Ninguém de juízo perfeito ignora o risco de moldar a vida por esse critério. Infelizmente, em nosso meio há verdadeiro pavor de desagradar. De levar a pecha de moralista ou chato. Para não criar caso com quem vive ao seu redor, a maioria se cala. Falta coragem de apontar os riscos a que se expõem as pessoas. Mas está havendo um exagero nas preocupações com a aparência. Parece obrigatório que o corpo se mostre sempre jovem e atraente. Ainda que à força de intervenções e truques que a tecnologia não se cansa de inventar. Há pessoas que vivem unicamente em função de um frescor e de uma beleza do corpo, que creem possíveis de se manterem eternas. Tolice. Somos dependentes do tempo. Cada um lhe paga a obrigatória taxa. Ilude-se, além de fazer papel ridículo, quem se esfalfa para aparentar vinte anos menos. É preciso admitir que nós valemos por aquilo que somos. Pela nossa grandeza interior, não pelo visual bonito. A embalagem pode agradar, mas o produto é que conta.
Construir uma família exige sabedoria. Sem ilusões, que já destruíram muitos sonhos. Os que se encantam com a atração de um corpo jovem precisam ter presente que essa visão não vai durar sempre. Há que fundamentar seu amor em algo bem mais sólido, de consistência muito maior. Numa vida a dois, o tempo é um elemento a considerar, sob pena de fracasso.
Como o de tantos casais, que tristemente se arrastam por aí.

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