Desde 2003 ouço dizer que
três dores, se não são as maiores, seguramente estão entre as três mais
terríveis que alguém pode experimentar. São a dor do parto, a cólica de rim e a
neuralgia do nervo trigêmeo. Uma eu tenho certeza de que jamais sentirei. As
outras duas conheço bem e não as desejo ao pior inimigo. A bem da verdade, não tenho
inimigo. Eventualmente, alguém me causa irritação, intensa até, não nego, mas passageira.
Não por virtude pessoal, mas por bondade de Deus, fui preservado de guardar
rancor. Pois nem à pessoa mais irritante eu desejaria uma crise renal ou uma
neuralgia do trigêmeo.
Fui contemplado, na semana
santa que passou, com manifestações frequentes daquilo que médicos e dentistas conhecem
e denominam dor paroxística. E bota paroxismo nisso. Havia dias eu vinha
sentindo sinais. Mas sou daqueles teimosos que buscam socorro só quando não
aguentam mais. Não tive recurso senão cair no consultório
de dois dentistas e ainda de um neurologista. Que, com carinho e competência,
diagnosticaram meu problema. Trata-se de antiga neuralgia do trigêmeo que voltou.
Desta vez, só do lado direito. Menos mal que há nove anos. Naquela oportunidade,
a face inteira doía. Mastigar, falar, lavar o rosto, escovar dentes, pentear cabelos,
fazer barba eram verdadeiras torturas. Agora dói apenas quando lavo o rosto,
escovo dentes, mastigo ou falo. Estou no lucro, portanto. Embora sem motivo para
comemorar.
Ofereci ao Senhor minhas
pobres dores como modesta participação nos seus sofrimentos, que celebramos
solenemente nestes dias. Quando surgem os espasmos, porém, não penso em outra
coisa senão em gritar. É desagradável faltar às celebrações litúrgicas onde eu
devia me fazer presente. Difícil também responder à atenciosa pergunta sobre
como estou. Pessoas amigas mostram cara de piedade quando me escapam involuntárias
contorções de dor. Formulam votos de melhoras. Que estão demorando.
Habituado à constituição de
ferro com que, há sete décadas, a natureza me dotou, sempre respondi com um
vigoroso não a quantas perguntas me foram até hoje dirigidas sobre eventuais problemas
de saúde. Tenho razões para me considerar um privilegiado em se tratando de
sanidade física e mental. Coração, fígado, rins, pulmões e outros órgãos nunca me
deram motivo de preocupação. Sequer sou capaz de localizá-los dentro de mim. De
repente, me descubro portador de um mal que me aflige e do qual quase ninguém
ouviu falar. Que eu preciso explicar, a cada vez, para meu interlocutor
entender de que se trata. Estou aprendendo a conviver com a certeza, agora
comprovada, de que sou portador da debilidade humana que não poupa ninguém.
Somos muito mais frágeis do que imaginamos.
Queira Deus me torne esse
incômodo mais sensível ao sofrimento daqueles que vivem ao meu lado. Por mais
pessimista que reconheçamos a expressão “vale de lágrimas” e nos recusemos a
aceitá-la, difícil é não acreditar que algumas pessoas parecem ter entrado mais
de uma vez na fila da distribuição das dores desta vida.
A Páscoa, que acabamos de
celebrar, nos traz a certeza de que um dos nossos, membro também desta pobre
natureza humana, venceu todas as nossas misérias. Até a pior que existe, a
morte. Só nele descobrimos razão para enfrentar os dissabores de uma vida por
vezes extremamente dolorosa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário