sábado, 14 de abril de 2012

As dores da Páscoa - por padre Orivaldo Robles


Desde 2003 ouço dizer que três dores, se não são as maiores, seguramente estão entre as três mais terríveis que alguém pode experimentar. São a dor do parto, a cólica de rim e a neuralgia do nervo trigêmeo. Uma eu tenho certeza de que jamais sentirei. As outras duas conheço bem e não as desejo ao pior inimigo. A bem da verdade, não tenho inimigo. Eventualmente, alguém me causa irritação, intensa até, não nego, mas passageira. Não por virtude pessoal, mas por bondade de Deus, fui preservado de guardar rancor. Pois nem à pessoa mais irritante eu desejaria uma crise renal ou uma neuralgia do trigêmeo. 
Fui contemplado, na semana santa que passou, com manifestações frequentes daquilo que médicos e dentistas conhecem e denominam dor paroxística. E bota paroxismo nisso. Havia dias eu vinha sentindo sinais. Mas sou daqueles teimosos que buscam socorro só quando não aguentam mais. Não tive recurso senão cair no consultório de dois dentistas e ainda de um neurologista. Que, com carinho e competência, diagnosticaram meu problema. Trata-se de antiga neuralgia do trigêmeo que voltou. Desta vez, só do lado direito. Menos mal que há nove anos. Naquela oportunidade, a face inteira doía. Mastigar, falar, lavar o rosto, escovar dentes, pentear cabelos, fazer barba eram verdadeiras torturas. Agora dói apenas quando lavo o rosto, escovo dentes, mastigo ou falo. Estou no lucro, portanto. Embora sem motivo para comemorar.
Ofereci ao Senhor minhas pobres dores como modesta participação nos seus sofrimentos, que celebramos solenemente nestes dias. Quando surgem os espasmos, porém, não penso em outra coisa senão em gritar. É desagradável faltar às celebrações litúrgicas onde eu devia me fazer presente. Difícil também responder à atenciosa pergunta sobre como estou. Pessoas amigas mostram cara de piedade quando me escapam involuntárias contorções de dor. Formulam votos de melhoras. Que estão demorando.
Habituado à constituição de ferro com que, há sete décadas, a natureza me dotou, sempre respondi com um vigoroso não a quantas perguntas me foram até hoje dirigidas sobre eventuais problemas de saúde. Tenho razões para me considerar um privilegiado em se tratando de sanidade física e mental. Coração, fígado, rins, pulmões e outros órgãos nunca me deram motivo de preocupação. Sequer sou capaz de localizá-los dentro de mim. De repente, me descubro portador de um mal que me aflige e do qual quase ninguém ouviu falar. Que eu preciso explicar, a cada vez, para meu interlocutor entender de que se trata. Estou aprendendo a conviver com a certeza, agora comprovada, de que sou portador da debilidade humana que não poupa ninguém. Somos muito mais frágeis do que imaginamos.
Queira Deus me torne esse incômodo mais sensível ao sofrimento daqueles que vivem ao meu lado. Por mais pessimista que reconheçamos a expressão “vale de lágrimas” e nos recusemos a aceitá-la, difícil é não acreditar que algumas pessoas parecem ter entrado mais de uma vez na fila da distribuição das dores desta vida.  
A Páscoa, que acabamos de celebrar, nos traz a certeza de que um dos nossos, membro também desta pobre natureza humana, venceu todas as nossas misérias. Até a pior que existe, a morte. Só nele descobrimos razão para enfrentar os dissabores de uma vida por vezes extremamente dolorosa.

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