sábado, 2 de junho de 2012

Vida longa - por Padre Orivaldo Robles


“Eu rezo todos os dias para Deus me conservar a vida enquanto eu puder tomar banho sozinho”, me disse, meio rindo, meio sério, um pioneiro de Maringá, ainda bem vivo. Eu admirava sua boa disposição e saúde perfeita. Resistente aos anos, ele venceu os 80 com robustez pouco encontrável em outros até mais jovens. Não perde o sorriso sempre aberto para brindar os muitos conhecidos. À minha observação, deu-me em resposta a tirada que me surpreendeu. Fiquei pensando: onde um homem da roça foi buscar expressão de tanta sabedoria? Sem estudo, fala ingênua, traduziu com perfeição aquilo que, no fundo, é secreta aspiração de todos. Ainda que não ousemos admitir. Porque, pensando bem, que sentido tem a vida para quem é conduzido por mãos alheias, mesmo se eficientes e carinhosas?
Tive ocasião de comprovar lá em casa a pertinência da afirmação do Seu Antônio. Embora impossibilitado de trabalhar, nos 19 derradeiros anos de vida, até o fim o pai se manteve lúcido e senhor de controle do sofrido corpo. Colheu-o a morte ainda no hospital. Estava de alta do terceiro enfarte. O eletro acusava dois outros, antigos. Vencidos em casa, sem atendimento, sabe Deus como, com auxílio só da mãe. Lavrador sem instrução, de saúde precária, acabou se entregando no quarto enfarte. Eu o ajudava a vestir a camisa, a fim de levá-lo para casa. Contava 72 anos. Teimoso, como bom espanhol, tirou de letra os três anteriores. Enquanto vivo, mesmo gravemente enfermo, não dependeu de ninguém para o cumprimento das pessoais necessidades.  
A mãe, em compensação, foi bem mais longeva. E mais dependente. Conseguiu atravessar os 94. Questão de genes. Lúcida até o fim. Mente boa, não assim o corpo. Exigiu cuidados incansáveis. Afirmei muitas vezes que mereciam estátua em praça pública minha irmã e meu irmão, que moravam com ela. A eles coube prestar-lhe atendimento perfeito até o instante final. É penoso cuidar de uma idosa incapaz dos movimentos mais simples. Com dores persistentes. Como diz Seu Antônio, para alguém incapaz de tomar banho sozinho, a vida se torna um peso. Cortava o coração vê-la pedir, em lágrimas, que Deus a viesse buscar.
Leio agora na Folha de São Paulo (C5, 28/05/2012) que o País tem quase 24 mil centenários.  E daí? Vantagem nenhuma. A própria Folha admite que “o Brasil vai mal na execução de políticas que possibilitem um envelhecimento saudável, seja na prevenção de doenças que incapacitem o idoso seja em instrumentos que o protejam e que garantam seus direitos”. O desafio é manter independência e qualidade de vida aos nossos idosos. Não vejo razão para gastar milhões em pesquisas científicas destinadas a simplesmente prolongar anos de vida. Qual a importância de termos mil ou cem mil pessoas com idade superior a 100 anos? Que proveito obtém a pessoa, a família ou o País? Continua sábia a opinião do salmista, quando afirma: “Nossos anos de vida são setenta, oitenta para os mais saudáveis; mas pela maior parte são fadiga e aborrecimento, passam logo e nós voamos” (Sl 90,10).
Aos 71, faço a experiência das limitações deste pobre corpo. A mente funciona com perfeição. O mesmo não acontece com o “irmão burro”, como o chamava São Francisco de Assis. Não vejo razão de orgulho em termos muitas pessoas com 100 anos. Orgulho será garantir ao idoso condição de tomar banho sozinho. Não importa seu número de anos. Esteja com 80 ou com 100, tanto faz.

Padre Orivaldo Robles
Vigário da Paróquia Catedral

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