“Eu rezo todos os dias para Deus me conservar a vida
enquanto eu puder tomar banho sozinho”, me disse, meio rindo, meio sério, um pioneiro
de Maringá, ainda bem vivo. Eu admirava sua boa disposição e saúde perfeita. Resistente
aos anos, ele venceu os 80 com robustez pouco encontrável em outros até mais
jovens. Não perde o sorriso sempre aberto para brindar os muitos conhecidos. À
minha observação, deu-me em resposta a tirada que me surpreendeu. Fiquei
pensando: onde um homem da roça foi buscar expressão de tanta sabedoria? Sem
estudo, fala ingênua, traduziu com perfeição aquilo que, no fundo, é secreta aspiração
de todos. Ainda que não ousemos admitir. Porque, pensando bem, que sentido tem
a vida para quem é conduzido por mãos alheias, mesmo se eficientes e
carinhosas?
Tive ocasião de comprovar lá em casa a pertinência da
afirmação do Seu Antônio. Embora impossibilitado de trabalhar, nos 19
derradeiros anos de vida, até o fim o pai se manteve lúcido e senhor de
controle do sofrido corpo. Colheu-o a morte ainda no hospital. Estava de alta
do terceiro enfarte. O eletro acusava dois outros, antigos. Vencidos em casa,
sem atendimento, sabe Deus como, com auxílio só da mãe. Lavrador sem instrução,
de saúde precária, acabou se entregando no quarto enfarte. Eu o ajudava
a vestir a camisa, a fim de levá-lo para casa. Contava
72 anos. Teimoso, como bom espanhol, tirou de letra os três anteriores. Enquanto
vivo, mesmo gravemente enfermo, não dependeu de ninguém para o cumprimento das
pessoais necessidades.
A mãe, em compensação, foi bem mais longeva. E mais dependente.
Conseguiu atravessar os 94. Questão de genes. Lúcida até o fim. Mente boa, não
assim o corpo. Exigiu cuidados incansáveis. Afirmei muitas vezes que mereciam estátua
em praça pública minha irmã e meu irmão, que moravam com ela. A eles coube
prestar-lhe atendimento perfeito até o instante final. É penoso cuidar de uma idosa
incapaz dos movimentos mais simples. Com dores persistentes. Como diz Seu
Antônio, para alguém incapaz de tomar banho sozinho, a vida se torna um peso. Cortava
o coração vê-la pedir, em lágrimas, que Deus a viesse buscar.
Leio agora na Folha de São Paulo (C5, 28/05/2012) que o
País tem quase 24 mil centenários. E
daí? Vantagem nenhuma. A própria Folha admite que “o Brasil vai mal na execução
de políticas que possibilitem um envelhecimento saudável, seja na prevenção de
doenças que incapacitem o idoso seja em instrumentos que o protejam e que
garantam seus direitos”. O desafio é manter independência e qualidade de vida
aos nossos idosos. Não vejo razão para gastar milhões em pesquisas científicas
destinadas a simplesmente prolongar anos de vida. Qual a importância de termos mil
ou cem mil pessoas com idade superior a 100 anos? Que proveito obtém a pessoa,
a família ou o País? Continua sábia a opinião do salmista, quando afirma:
“Nossos anos de vida são setenta, oitenta para os mais saudáveis; mas pela
maior parte são fadiga e aborrecimento, passam logo e nós voamos” (Sl 90,10).
Aos 71, faço a experiência das limitações deste pobre
corpo. A mente funciona com perfeição. O mesmo não acontece com o “irmão burro”,
como o chamava São Francisco de Assis. Não vejo razão de orgulho em termos muitas
pessoas com 100 anos. Orgulho será garantir ao idoso condição de tomar banho
sozinho. Não importa seu número de anos. Esteja com 80 ou com 100, tanto faz.
Padre Orivaldo Robles
Vigário da Paróquia Catedral
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