Seu
nome brasileiro era Pedro. Em verdade, chamava-se Watar. Mas para nós sempre foi
o Makiyama. Nome japonês comum para alguém muito pouco comum.
Deus
sabe de que forma se manifestou a vocação em sua vida. E como foi difícil
realizá-la. Na adolescência teve a ideia de ser padre. Mas jesuíta, como São
Francisco Xavier, missionário na Índia e no Japão. Só que precisava trabalhar na
roça para ajudar a família. Levou tempo até entrar na Escola Apostólica de Nova
Friburgo (RJ), onde os jesuítas começavam a preparação dos seus candidatos. A
pouca base escolar do Norte do Paraná dificultou-lhe acompanhar o estudo puxado.
Penosamente, seguiu até à Filosofia, em Belo Horizonte. Foi aconselhado, porém,
a desistir. A se tornar religioso, mas irmão leigo. Não concordou. Voltou ao Paraná.
Procurado,
Dom Jaime o acolheu e encaminhou a Curitiba para os quatros anos da Teologia,
etapa final da formação de padre. Foi nessa fase que se tornou companheiro de
seminário, meu e do Almeida. Mais velho que nós uma década e pedrada, os
estudos teológicos pesaram-lhe como duro fardo. Empenhava-se ao extremo.
Carecia, porém, de melhor embasamento escolar, que a Colônia Esperança, em
Arapongas, não lhe dera na infância, quando nem compreendia direito a língua
portuguesa. Talvez tenha vindo daí seu costume da falar pouco. Mas ele não
desistiu. Era um lutador.
O Almeida
e eu nos pusemos à sua disposição para ajudá-lo naquilo de que precisasse.
Passamos a estudar com ele, sobretudo em ocasião de provas, que preparávamos a
três ou dois, ele sempre junto. Foi nossa contribuição acadêmica ao irmão de
diocese. Venceu. Por toda a vida se mostraria agradecido. Muito além do nosso merecimento,
se é que tivemos algum. Quantas pessoas o ouviram dizer que, sem nossa ajuda, não
teria chegado a ser padre. Bondade dele.
Além
de companheiro, no seminário atraía a admiração como esportista. Foi goleiro de
postura garbosa e firme. Não atingiu a classe de um João Ukachenski, do
seminário lazarista, que lembrava Lev Yashin, o “Aranha Negra” da União
Soviética. Mas dava “pontes” de encher os olhos. Também nadava com perfeição.
Já padre, nas férias ia com paroquianos à praia. Gostava de atravessar a nado a
baía de Guaratuba. Quando se cansava, flutuava de costas refazendo as forças
para novas braçadas. Uma ocasião, ao guarda-vidas que o alcançou pensando
socorrê-lo, perguntou calmamente: “O senhor está bem”?
Já
lá se vão quase 46 anos que o primeiro bispo de Maringá nos ordenou padres, a
nós três, em celebração única, na frente da Catedral velha. Nós o provocávamos
para arrancar-lhe alguma palavra. Senão, ele não abria a boca. Um anacoreta dos
tempos modernos. Quando completou 80 anos, ofereceram-lhe uma festa. Nunca o
vimos tão feliz. Fez um discurso de 15 minutos. Fato digno de registro.
Doutor
Camargo foi sua última paróquia. Também seu mundo e sua família nestes 26 anos.
Amou profundamente aquela gente e dela recebeu amor igual. Veio buscá-lo a irmã
morte no dia 13 passado, à noite. Morreu como sempre vivera: em total pobreza,
rico somente do amor de Deus e do carinho do seu povo. Tive ocasião de
testemunhar, em Doutor Camargo, um espetáculo grandioso e triste: uma igreja
repleta de pessoas que só rompiam o silêncio para rezar e cantar. Não pude
olhar para elas. A maioria, suponho, estava como eu, com os olhos toldados por
lágrimas. Desde o começo da missa até o instante em que, no cemitério, baixamos seu caixão à terra, que a todos nos vai
receber.
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