terça-feira, 20 de novembro de 2012

Padre Makiyama - por Padre Orivaldo Robles


Seu nome brasileiro era Pedro. Em verdade, chamava-se Watar. Mas para nós sempre foi o Makiyama. Nome japonês comum para alguém muito pouco comum.
Deus sabe de que forma se manifestou a vocação em sua vida. E como foi difícil realizá-la. Na adolescência teve a ideia de ser padre. Mas jesuíta, como São Francisco Xavier, missionário na Índia e no Japão. Só que precisava trabalhar na roça para ajudar a família. Levou tempo até entrar na Escola Apostólica de Nova Friburgo (RJ), onde os jesuítas começavam a preparação dos seus candidatos. A pouca base escolar do Norte do Paraná dificultou-lhe acompanhar o estudo puxado. Penosamente, seguiu até à Filosofia, em Belo Horizonte. Foi aconselhado, porém, a desistir. A se tornar religioso, mas irmão leigo.  Não concordou. Voltou ao Paraná.
Procurado, Dom Jaime o acolheu e encaminhou a Curitiba para os quatros anos da Teologia, etapa final da formação de padre. Foi nessa fase que se tornou companheiro de seminário, meu e do Almeida. Mais velho que nós uma década e pedrada, os estudos teológicos pesaram-lhe como duro fardo. Empenhava-se ao extremo. Carecia, porém, de melhor embasamento escolar, que a Colônia Esperança, em Arapongas, não lhe dera na infância, quando nem compreendia direito a língua portuguesa. Talvez tenha vindo daí seu costume da falar pouco. Mas ele não desistiu. Era um lutador.
O Almeida e eu nos pusemos à sua disposição para ajudá-lo naquilo de que precisasse. Passamos a estudar com ele, sobretudo em ocasião de provas, que preparávamos a três ou dois, ele sempre junto. Foi nossa contribuição acadêmica ao irmão de diocese. Venceu. Por toda a vida se mostraria agradecido. Muito além do nosso merecimento, se é que tivemos algum. Quantas pessoas o ouviram dizer que, sem nossa ajuda, não teria chegado a ser padre. Bondade dele.
Além de companheiro, no seminário atraía a admiração como esportista. Foi goleiro de postura garbosa e firme. Não atingiu a classe de um João Ukachenski, do seminário lazarista, que lembrava Lev Yashin, o “Aranha Negra” da União Soviética. Mas dava “pontes” de encher os olhos. Também nadava com perfeição. Já padre, nas férias ia com paroquianos à praia. Gostava de atravessar a nado a baía de Guaratuba. Quando se cansava, flutuava de costas refazendo as forças para novas braçadas. Uma ocasião, ao guarda-vidas que o alcançou pensando socorrê-lo, perguntou calmamente: “O senhor está bem”?
Já lá se vão quase 46 anos que o primeiro bispo de Maringá nos ordenou padres, a nós três, em celebração única, na frente da Catedral velha. Nós o provocávamos para arrancar-lhe alguma palavra. Senão, ele não abria a boca. Um anacoreta dos tempos modernos. Quando completou 80 anos, ofereceram-lhe uma festa. Nunca o vimos tão feliz. Fez um discurso de 15 minutos. Fato digno de registro.
Doutor Camargo foi sua última paróquia. Também seu mundo e sua família nestes 26 anos. Amou profundamente aquela gente e dela recebeu amor igual. Veio buscá-lo a irmã morte no dia 13 passado, à noite. Morreu como sempre vivera: em total pobreza, rico somente do amor de Deus e do carinho do seu povo. Tive ocasião de testemunhar, em Doutor Camargo, um espetáculo grandioso e triste: uma igreja repleta de pessoas que só rompiam o silêncio para rezar e cantar. Não pude olhar para elas. A maioria, suponho, estava como eu, com os olhos toldados por lágrimas. Desde o começo da missa até o instante em que, no cemitério, baixamos seu caixão à terra, que a todos nos vai receber.

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