Afirmação
até certo ponto ufanista assegura: “Eu sou brasileiro; não desisto nunca”.
Tentei levá-la à prática. Foi quando apareceram as faixas de pedestres nas ruas
(sinalização horizontal) e, ao lado, placas de advertência (sinalização
vertical). Em país civilizado tais placas são dispensáveis. Basta a
sinalização horizontal. Mas nós somos diferentes. Abracei a quixotesca tarefa de ajudar pessoas a atravessar a
rua. Contribuiria para criar entre nós um clima urbano mais cortês. Do que,
aliás, Maringá precisa. Tolo que sou e cabeçudo, ainda por cima, comecei a
solitária campanha de levar à observância da faixa de pedestres. Andando a pé por
onde não havia sinal luminoso, eu levantava um braço para indicar minha intenção
de cruzar a rua, enquanto, com a outra mão, apontava as listras brancas no
asfalto. Ocasiões houve em que motoristas educadamente me cederam a
preferência. Noutras, a reação foi menos amigável. Dirigiram-me buzinadas
raivosas. Ou me homenagearam com gentilezas do tipo “Quer morrer, seu louco?”
ou “Está bêbado, f.d.p.”?
Quando
ao volante ou guidão de veículo motorizado, sentimo-nos donos do mundo. A cidade
toma contornos de nosso quintal. Dela desfrutamos conforme nosso alvedrio.
Admito que por descuido já invadi faixa de pedestres. Estou-me esforçando para
não repetir. Procuro não esquecer que nascemos pedestres, não motorizados. Não
é justo entregar a cidade aos carros tornando um inferno a vida das pessoas.
Estas são anteriores a eles. Quem chegou primeiro tem direito assegurado.
Por
algum tempo sustentei uma inútil disputa. Não contra moinhos de vento, mas
contra bólidos motorizados capazes de levar à morte ou ferir com gravidade. Reconheço
que me comportei ingenuamente. Não pretendo engrossar com meu nome a extensa lista
de vítimas. Cansei. Venho honestamente depor as armas. Aceito a derrota. Sou
brasileiro, mas eu desisto.
A
gota d’água, que fez entornar o copo, foi vertida por bela e desconhecida jovem,
semana passada, numa avenida binária. Ela vinha a uma distância de bons vinte
metros. Quatro placas (uma de cada lado de ambas as vias) apontavam-lhe a faixa
de pedestres. Pouco antes, dois avisos. Um tinha alertado: “50 km”. A seguir,
outro: “Pare”. Ergui bem alto um pacote branco que tinha na mão e entrei na
faixa. Julguei seguro. Tanto que um furgão se deteve. Impossível não me ver. A
moça – não acredito que nos 50 km/h recomendados – não aliviou. Para não me
ferir, teve que frear. Mas parou em cima da faixa; eu passei na beiradinha. Com
a face rubra de susto e raiva, me repreendeu gritando: “O senhor não pode ir-se
jogando na faixa. Uma hora, o senhor vai morrer por causa disso”. Foi o que
falou, mas inconscientemente talvez pensasse outra coisa. Assim como: “Eu sou
jovem, bonita, rica e dirijo um carro novo. Você é velho, feio, pobre e anda a
pé. Eu sou mais importante do que você. Como ousa atrapalhar minha passagem”?
Não me joguei, apenas passei sobre a faixa,
que não é nenhuma Brastemp, mas ainda está visível no asfalto. Se bem que umas
mãos de tinta não lhe fariam mal. E não custam nenhuma fortuna.
Desculpe,
moça bonita. Você está certa. Pedestre tem mesmo que sempre dar a vez para os
veículos. Dirija seu precioso carro como quiser. Para que encher sua elegante cabecinha
com ridículas normas de trânsito, não é mesmo?
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