sábado, 1 de dezembro de 2012

Gente que ainda existe - por padre Orivaldo Robles


Num dia desta semana, encontrei por acaso duas amigas queridas. Trocamos algumas palavras. Conversa entre amigos não segue planejamento nem conhece trava ou segredo. É papo aberto, que brota da liberdade e da confiança, sobre qualquer assunto. Não se sujeita à censura nem fiscaliza as palavras. É inevitável sair algo que estranhos tomariam por grosseria. Como um daqueles despautérios do personagem Chaves, da TV, que, após soltá-lo, corre logo a desculpar-se: “Me escapou!”. Uma das amigas falava sobre seu filhinho, que se mostra sempre atento às necessidades dos outros. Deu um exemplo para ilustrar. A uma senhora que, por pouco, não tinha levado um tombo capaz de feri-la com gravidade, ele perguntou: “A senhora está bem? Está precisando de alguma coisa?” Isso lá é conversa de um menino de cinco anos? Mal tinha a mãe contado o episódio, fui tomado pelo espírito do Chaves. Sem refletir, soltei em voz alta: “Vai ser um bobo a vida inteira”. Eu não pensava só no garotinho. Nem me referia diretamente a ele. Tinha em mente o meu velho e o seu peculiar jeito de enfrentar a vida.
O pai foi, em todos os seus dias, um daqueles que hoje a maioria das pessoas chama de tonto. Nunca foi capaz de admitir mentira. Acreditava piamente no que escutava. Aferrava-se à verdade com paixão. Não sabia enganar. Não conseguia puxar o tapete de quem quer que fosse. Menos ainda, passá-lo para trás, de qualquer maneira. Se topasse na rua com um pacote de dinheiro, com certeza não ia sossegar enquanto não achasse o dono. Na época em que nasci, era proprietário de um sítio em sociedade com tio Chico Zangali. (Em casa sempre ouvi contar maravilhas sobre o sítio da Santa Bárbara, que não tive oportunidade de conhecer.) Na mesma época o pai sofreu uma cirurgia de estômago. Quiçá para pagar tratamento de saúde – os filhos jamais cobraram explicação –, ele vendeu ao tio Chico a sua parte do sítio. Nunca mais foi dono de um palmo de terra. Sequer do lote em que repousam seus ossos, por mim conseguido, trinta anos depois.
Não precisei, felizmente, explicar às amigas porque o filhinho de uma delas ia ser um bobo, vida afora. Bastou contar poucas “aventuras” do pai. Minha amiga pôs-se a discorrer sobre as do seu que, para sua felicidade, ainda vive. Embora mais novo, a escola da vida em que se formou comprova que o tempo não introduziu mudanças no seu conteúdo programático. Ambos nossos pais pertencem àquela espécie de homens que supomos inencontráveis no nosso infeliz mundo de hoje. Ela contou coisas lindas a respeito dele, homem bom, destituído de qualquer malícia. Não desconfia da maldade de ninguém. Para ele todos são bons. Se familiares colocam reparo na ingenuidade do seu julgamento, ele se contraria: “Vocês não acreditam em ninguém. Pensam que só existe gente ruim”.
Há tempo venho refletindo nessas coisas. As notícias ajudam a formar nossa opinião sobre fatos e pessoas. Mas só se noticiam coisas ruins. Ninguém escuta, por exemplo, que mães são capazes de passar fome pelos filhos. Que pais trabalham à exaustão para lhes garantir um futuro digno. Na mídia pessoas humildes só aparecem como bandidos ou vítimas. No entanto são elas que carregam o mundo nas costas. A maioria absoluta da humanidade é formada de pessoas humildes e boas. Onde encontrá-las? Em nossa casa, em nossa rua. Basta olhar nosso pai, nossa mãe. E todos os que parecem com eles. Esses são os construtores do mundo bom que queremos.
Ainda bem que existem.   

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