Tenho uma saudável inveja do pensador Rubem
Alves. Nada de mais que um padre seja fã de carteirinha de um pastor
protestante. Que já não pastoreia, mas continua a oferecer preciosidades da fé,
da cultura e das letras. Sem pedir licença, transcrevo quase inteira sua
crônica de 23/12/ 2008, publicada originalmente na Folha de São Paulo:
“Menino, lá em Minas, eu tinha inveja
dos católicos. Eu era protestante sem saber o que fosse isso. Sabia que, pelo
Natal, a gente armava árvores com flocos de algodão imitando neve que não
sabíamos o que fosse. Já os
católicos faziam presépios.
Os pinheiros eram bonitos, mas não me comoviam como o presépio: uma estrela no céu, uma cabaninha na terra coberta de sapé, Maria, José, os pastores, ovelhas, vacas, burros, misturados com reis e anjos numa mansa tranquilidade, os campos iluminados com a glória de Deus, milhares de vagalumes acendendo e apagando suas luzes, tudo por causa de uma criancinha. A contemplação de uma criancinha amansa o universo.
O Natal anuncia que o universo é o berço de uma criança. Até os católicos mais humildes faziam um presépio. As despidas salas de visita se transformavam em lugares sagrados. As casas ficavam abertas para quem quisesse se juntar aos reis, pastores e bichos. E nós, meninos, pés descalços, peregrinávamos de casa em casa, para ver a mesma cena repetida e beijar a fita. Nós fazíamos os nossos próprios presépios. Os preparativos começavam bem antes do Natal. Enchíamos latas vazias de goiabada com areia, e nelas semeávamos alpiste ou arroz. Logo os brotos verdes começavam a aparecer. O cenário do nascimento do Menino Jesus tinha de ser verdejante. Sobre os brotos verdes espalhávamos bichinhos de celuloide. Naquele tempo ainda não havia plástico. Tigres, leões, bois, vacas, macacos, elefantes, girafas. Sem saber, estávamos representando o sonho do profeta que anunciava o dia em que os leões haveriam de comer capim junto com os bois e as crianças haveriam de brincar com as serpentes venenosas. A estrebaria nós mesmos a fazíamos com bambus. E as figuras que faltavam, nós as completávamos artesanalmente com bonequinhos de argila. Tinha também de haver um laguinho onde nadavam patos e cisnes, que se fazia com um pedaço de espelho quebrado. Não importava que os patos fossem maiores que os elefantes. No mundo mágico tudo é possível. [...] Um presépio verdadeiro tem de ser infantil. E as figuras mais desproporcionais nessa cena tranquila éramos nós mesmos. Porque, se construímos o presépio, era porque nós mesmos gostaríamos de estar dentro da cena. (Não é possível estar dentro da árvore!). Éramos adoradores do Menino, juntamente com os bichos, as estrelas, os reis e os pastores. [...] Seria tão bom se os pais contassem essa estória para os seus filhos”!
Os pinheiros eram bonitos, mas não me comoviam como o presépio: uma estrela no céu, uma cabaninha na terra coberta de sapé, Maria, José, os pastores, ovelhas, vacas, burros, misturados com reis e anjos numa mansa tranquilidade, os campos iluminados com a glória de Deus, milhares de vagalumes acendendo e apagando suas luzes, tudo por causa de uma criancinha. A contemplação de uma criancinha amansa o universo.
O Natal anuncia que o universo é o berço de uma criança. Até os católicos mais humildes faziam um presépio. As despidas salas de visita se transformavam em lugares sagrados. As casas ficavam abertas para quem quisesse se juntar aos reis, pastores e bichos. E nós, meninos, pés descalços, peregrinávamos de casa em casa, para ver a mesma cena repetida e beijar a fita. Nós fazíamos os nossos próprios presépios. Os preparativos começavam bem antes do Natal. Enchíamos latas vazias de goiabada com areia, e nelas semeávamos alpiste ou arroz. Logo os brotos verdes começavam a aparecer. O cenário do nascimento do Menino Jesus tinha de ser verdejante. Sobre os brotos verdes espalhávamos bichinhos de celuloide. Naquele tempo ainda não havia plástico. Tigres, leões, bois, vacas, macacos, elefantes, girafas. Sem saber, estávamos representando o sonho do profeta que anunciava o dia em que os leões haveriam de comer capim junto com os bois e as crianças haveriam de brincar com as serpentes venenosas. A estrebaria nós mesmos a fazíamos com bambus. E as figuras que faltavam, nós as completávamos artesanalmente com bonequinhos de argila. Tinha também de haver um laguinho onde nadavam patos e cisnes, que se fazia com um pedaço de espelho quebrado. Não importava que os patos fossem maiores que os elefantes. No mundo mágico tudo é possível. [...] Um presépio verdadeiro tem de ser infantil. E as figuras mais desproporcionais nessa cena tranquila éramos nós mesmos. Porque, se construímos o presépio, era porque nós mesmos gostaríamos de estar dentro da cena. (Não é possível estar dentro da árvore!). Éramos adoradores do Menino, juntamente com os bichos, as estrelas, os reis e os pastores. [...] Seria tão bom se os pais contassem essa estória para os seus filhos”!
Ah, velho mestre, os pais não perdem tempo
com isso, não. Hoje o povo pratica uma religião nova e sedutora: o comércio. As
pessoas frequentam o shopping, seu templo atual. Adoram um novo deus, o
mercado. Cultivam virtudes novas: moda, luxo, compras, consumo... Pregadores agora
são os promotores de vendas. O Menino
Jesus não passou no teste. Ele não se dá bem com dinheiro. Contrataram Papai
Noel, um fenômeno de vendas. À sua chegada fazem festa. O Menino? Ah, não ligam
mais pra ele.
Não é estranho? Pois o Natal comemora justamente
o seu nascimento!
Um comentário:
Pe. Orivaldo eu é quem sou sua fã.
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