Outro
dia, nos dois lados da calçada à minha
frente, contei seis pessoas falando ao celular. Não olhei para trás. É provável
que outras estivessem fazendo o mesmo. O leitor já deve ter visto alguém
conversando na rua, mas não percebeu com
quem. Fique tranquilo. Não é nenhum daqueles infelizes que conversam sozinhos.
Pode ver que ele mantém um aparelhinho colado na orelha. Existem até adaptações
que permitem falar deixando as mãos livres. Inventadas, quem sabe, por algum
italiano, que gosta de conversar agitando os braços, feito um helicóptero.
Não
sei qual a relação entre o número de habitantes e o de celulares. Acredito que
seja de empate. Em média, um celular por habitante. Como o automóvel, o celular
marca a vida contemporânea. Não adianta ficar bravo. Ambos vieram para ficar.
Em qualquer cidade é provável que a parcela maior da população disponha de
carro e de celular. Mais de um até. Para os veículos é um suplício garantir
vaga de estacionamento ou garagem de prédio. Para os celulares, ao contrário,
nenhuma restrição. Estão aí, de todos os modelos, tipos, cores e preços.
Dotados ainda dos mais impensáveis recursos, que os transformam no mais
avançado Bombril das famosas mil e uma utilidades. Celulares podem hoje ser
usados até como telefones.
Que
haverá de tão importante para a gente ficar falando o tempo todo? Faz dez,
quinze anos, celular era luxo. Raríssimos homens – mulher, nem pensar –
dispunham-se a andar com aquele tijolão. Preso à cintura, mais parecia o coldre
de um revólver. Os tempos mudaram. Hoje, a criança nem sabe ainda falar direito
e já exige o brinquedinho falante. Houve época em que falávamos menos, mas
apreciávamos a vida bem mais. Desde cedo, respeitávamos como sagrado aquele
clima de mistério em que o silêncio nos envolvia.
Das
cenas de minha infância, uma, por volta dos cinco anos, me transporta à sela do
cavalo, protegido pelo pai, em direção ao curral do Adolfo Moretti. Àquela
hora, com um empregado, ele ordenhava o seu gado leiteiro. No pastinho da nossa casa, as três vacas, que o patrão
houvera por bem trazer para nosso uso, tinham resolvido cortar juntas o
fornecimento do leite que bebíamos. Essa pendenga durou meses. O pai resolveu o
problema. Madrugada, às vezes com a lua minguante no céu, ele encilhava o
cavalo e nos púnhamos na estradinha para buscar leite a três quilômetros de
distância. Ainda me pergunto onde o pai aprendera o refrão que, às vezes, cantava:
“É madrugada, / De longe eu vim. / Deixe a lua sossegada / E olhe para mim”.
Era só o que ele conhecia da marchinha – vim saber mais tarde – que Almirante e
Braguinha tinham feito para um carnaval, não sei de que ano. A lua alta no céu,
com certeza, lhe refrescava a memória.
Eu
trocava preciosos momentos de sono matinal pelo encanto daqueles instantes
passados com ele. Quase não nos falávamos. Às vezes, eu fazia alguma pergunta.
Ele respondia com calma. Bom era o calor do seu corpo, a me passar uma segurança
que, bem mais tarde, fui sentir, sozinho, num lombo de cavalo. Talvez tenha
nascido aí o gosto, depois praticado no seminário, de começar o dia em
silêncio. Uma sabedoria milenar a nós legada, desde os primeiros séculos, pelo monarquismo cristão. Silêncio que as
novas gerações desconhecem. No entanto, sem esse corajoso mergulho no interior
de si mesmo, ser humano nenhum descobrirá o sentido da vida. Só o silêncio tem
o dom de colocar-nos face a face com a Verdade.