sábado, 4 de maio de 2013

Nossa violência de cada dia - por padre Orivaldo Robles


“Quando eu era criança pequena”, não lá em Barbacena, mas no Estado de São Paulo, ouvia contar maldades atribuídas a Dioguinho, Lino Catarino ou Aníbal Vieira, o Lampião paulista, que sobreviveram no ideário popular como desafiadores da lei e da ordem. Lei e ordem que, na sua época, não deviam ser grande coisa. No sertão de Rio Preto, Triângulo Mineiro ou Mato Grosso do Sul, no início do século passado, viver era quase ter a espada de Dâmocles sobre a cabeça. Pouca gente, muito mato, fazendas se abrindo, estradas e comunicações rudimentares... – o que não faltava eram arruaceiros e matadores. Claro que o povo exagera quando conta seus causos. Para Menotti del Picchia, “cada ‘valentão’ se multiplica, cataliza façanhas alheias, deforma-se sentimentalmente a tomar atitudes vingadoras de cavaleiro andante e a enriquecer-se com o halo quixotesco de façanhas inidentificáveis”. Nem sempre dá para separar a história da lenda. Contudo, é certo que houve homens ignorantes, violentos, para quem matar não produzia desconforto nem remorso. Julgavam-se acima do bem e do mal. Não conheciam outra lei senão a própria vontade, que impunham à força.
Período difícil, de pouquíssima cultura e brutalidade às pampas. Por sorte, ficou lá atrás. Só antigos recordam peripécias que não presenciaram, mas ouviram de outros mais antigos ainda. “Que bom”, pensam, com certeza, os jovens de hoje. “Eu não me acostumaria com tanto atraso e violência. Ainda bem que nasci em outro tempo. Hoje não se vê mais isso”.
Será que não? E aquilo que observamos, todos os dias, bem diante do nariz? Não digo lá nos grotões inalcançados pelo progresso, mas nos centros que acreditamos desenvolvidos. Não é justamente nas grandes cidades, com mais numerosos recursos à disposição, que acontecem os mais bárbaros crimes? Quem ia pensar que o ser humano fosse capaz das insânias que os noticiários relatam? Antigamente um crime grave permanecia durante décadas como exemplo acabado de horror. Não se repetia. Hoje, a toda hora se conhece delito mais torpe que o anterior. Alguém é capaz de prever aonde chegará a maldade humana? Que delito vamos conhecer mais pavoroso dos que os já noticiados?
Será que uma pessoa se crê segura numa cidade de porte médio? Nem precisa ser São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador, Curitiba... Inclusive dentro de casa. Fora, na rua e à noite, nem pensar. Uma vez, no final dos anos 60, dois amigos e eu, que há muito não nos víamos, ficamos conversando num bar de São Paulo até às três da madrugada. Depois caminhamos tranquilamente, por ruas desertas, até ao apartamento deles. Hoje alguém arriscaria fazer isso?
Os valentões do passado eram poucos e facilmente identificáveis. Praticavam barbaridades quando bêbados ou para mostrar valentia. Seu código de ética bandida não admitia ataque a mulher, idoso ou criança. Sua maldade ia até certo limite. Agora, bandidos encontram-se aos milhares. De todas as idades, aparências e origens. Nem a pior brutalidade os acalma. Até onde vai a sanha de um delinquente com uma arma na mão?
É esse o tal progresso, a tão celebrada modernidade a que chegamos? Que diabólico poder foi entregue aos donos das ruas para que mantenham os cidadãos dentro de casa tremendo de medo? Será que não existe remédio para essa ferida aberta na carne da nossa sociedade?

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