Um
colega meu de seminário, nos anos 60, durante as férias, tinha o costume de
reunir em casa os irmãos menores para explicar-lhes passagens da Bíblia. Numa
dessas ocasiões, contou-lhes a parábola do filho pródigo (Lc 15,11-32). Ao
final, quis saber se haviam entendido ou restava alguma dúvida. Na inocência
dos seus cinco anos, a irmãzinha caçula surpreendeu-o com um grande problema:
“E onde estava a mãe dele”? Para a pequena deve ter parecido estranho que
figura tão importante como a mãe não tivesse lugar na história. A parábola fala
do filho descabeçado; do mais velho, ciumento; do pai misericordioso; cita até
os empregados – mas sobre a mãe, nenhuma palavra. Pode?
Deus
deve ter inventado a mãe a partir das necessidades do filho pequeno. Ao menor
desconforto, ele exige-lhe a presença. Dela, de mais ninguém. Vá o pai acudir,
se a hora for de mamar no seio! Quando chegar o tempo da mamadeira, ele poderá
intervir. Mas aí já o grude do nenê com a mãe será tão firme que nem formão
afiado remove. Igualmente a ligação dela com seu bebê. Ela finge não olhar,
simula despreocupação, mas está sempre vigiando, quando um colo alheio o
abriga. Fêmea nenhuma sustenta com sua cria ligação tão intensa ou prolongada.
Em qualquer tempo, cultura ou lugar do mundo. Não existe pessoa normal a quem
não horrorize nem revolte o abandono de um recém-nascido por sua mãe. Com toda
a razão. É o comportamento mais avesso à natureza. Até fêmea de bicho protege o
filhote que pariu.
Escritores
e poetas exaltam a mãe. Há quem ache exagero. Coelho Neto é malhado pelo último
verso do soneto famoso “Ser mãe”. Não sendo mulher nem mãe, não teria ele como
opinar sobre maternidade. Eu discordo. Entendo que aos poetas é dado intuir
realidades que não conseguem experimentar, mas delas misteriosamente ficam
sabendo. Por isso falam com acerto de vivências que não precisam
necessariamente sentir. Parece-me suficiente a leitura atenta da última estrofe
para reconhecer-lhe a exatidão. Está lá: “Ser mãe é andar chorando num sorriso. / Ser mãe é ter um mundo e não ter
nada. / Ser mãe é padecer num paraíso”.
Alguém expressaria melhor a contradição que afeta o
íntimo de uma mulher que se torna mãe? Primeiro, o anseio de ser criadora da
vida. Depois, a alegria de se descobrir carregando um novo ser já em caminho. E
junto, insegurança e receio, indisposições e incômodos do corpo que se vai, aos
poucos, convertendo em outro. Alguns meses passados e não se reconhecerá mais
como a mesma que até ali foi. Contudo, ainda que estranha a si mesma, invade-a
uma nunca antes provada alegria, que lhe promete um futuro de luz, que não sabe
como virá. Por último, o sonhado nascimento do filho chega recheado por
temores, incertezas, dúvidas... Quando não, por sofrimentos e angústias, que
jamais pensou pudessem existir. Na dura certeza de que tudo estará somente
começando.
Mistério surpreendente. Logo se vê esquecida das
amofinações que enfrenta. Ei-la já com saudade daquele tempo em que engendrou o
filho que agora descansa em seu regaço. Coelho Neto captou a estranha síntese
de dor e riso, que se instalam no coração da mãe. Só mesmo Deus, Senhor da vida
e do heroísmo que a sustentam, conhece de que foi feita a mulher a quem
chamamos com esse nome.
Que Ele abençoe a todas. Sempre. Não só no segundo
domingo de maio.
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