sexta-feira, 7 de junho de 2013

O pica-pau - por padre Orivaldo Robles

Numa dessas manhãs, no meio das poucas árvores da Praça da Catedral, ouvi pipilar um pica-pau. Um não; dois. Um piava, outro respondia. Corriam pela grama, alçavam voos curtos, subiam às copas das árvores. Um casal, sem dúvida, em busca de lugar para construir o ninho. Devem ter ido embora decepcionados. Não cresce ali mais nenhuma palmeira decente que mereça o furo do seu afiado bico. Nada parecido com a fartura de que dispunham seus ancestrais. Quem morou na roça recorda os coqueiros no meio do pasto, duros como ferro e altos como prédios. Os pica-paus os martelavam até perfurar um orifício redondo e fundo. Com uma capacidade fabulosa de escutar – ouvem larvas ou insetos movendo-se no interior do tronco – cavam o caminho até sua refeição, além de providenciar a maternidade onde nascerão seus descendentes. Para pôr ovos e criar filhotes, não sei de outro pássaro, tirante o joão-de-barro, capaz de construir uma casa tão segura.
Não sou ornitólogo, menos ainda especialista em pica-pau, mas arrisco pensar que a cada ninhada, ele procura outra árvore para escavar um buraco novo. Vale dizer, a cada temporada de choco, repete o mesmo trabalho. Previdente, por causa do vento e da chuva, rompe a cavidade de baixo para cima. E a coloca no ponto mais alto da árvore para se livrar dos predadores. Após cinco semanas, os filhotes estão em condição de abandonar o ninho. Se nenhum gambá, coruja ou gavião até ali os descobriu, o perigo maior terá passado.
Assim como entre os humanos, também entre os pássaros há os que se aproveitam do esforço alheio. Sem a mesma capacidade do pica-pau, no tempo de incubar, o casal de papagaios tira vantagem do ninho em desuso e nele deposita seus ovos. Não tem noção do perigo a que se expõe. Maus exemplares do bicho homem, que sempre existem, pregam no tronco da árvore ripas de madeira escalando-as, como degraus de escada, para tirar os filhotes. Arrebatados do ninho muito novos, poucos papagainhos conseguem sobreviver. Uma judiação.
Senti dó dos pica-paus da praça. Não faz muitas décadas, ali se estendia uma senhora mata. Um oceano ondulante de verdura e vida. Para onde alguém olhasse o que via era um universo impenetrável, habitat feliz de uma profusão de bichos. Árvores de diversos vigores e alturas ofereciam, a quantos pica-paus houvesse, condição de construir os ninhos que desejassem. Trisavós do casal da Praça da Catedral nadaram numa riqueza que não voltará a repetir-se. Não precisaram, como estes dois, mendigar um escasso tronco onde cavar um oco de quinta classe.
A floresta que cobria tudo por aqui passou às mãos do bicho homem. Civilizado, entenda-se. Que via como progresso a derrubada, o plantio, a colheita e a comercialização do produto. Para fazer dinheiro, comprar terra e, de novo, devastar, plantar, colher, vender e acumular.
Que coisa! Não mais de cem anos de civilização bastaram para secarmos cursos d’água, assorearmos riachos, poluirmos e represarmos rios, deitarmos abaixo a floresta, envenenarmos o solo, anarquizarmos o clima e empestearmos o ar que respiramos. Antes da chegada dos brancos, durante milênios, populações indígenas ocuparam esta terra, fizeram uso correto das suas riquezas e preservaram os seus recursos.

Mas o que civilizados iam aprender com índios, não é? Índio é selvagem; nada entende de progresso. 

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