sábado, 22 de junho de 2013

Vem pra rua - por padre Orivaldo Robles

Terça-feira passada, dezessete e trinta, mais ou menos. Nariz pingando como torneira que não fecha, eu ia apressado à farmácia do canto da praça. Faz tempo, me deram um cartão da melhor idade. Melhor para quem? Para os laboratórios, com certeza. São os que lucram com nossas doenças. O cartão me dá pequeno desconto. Não posso desprezar; tomo uma batelada de remédios de uso contínuo.
Enquanto caminhava, eu ouvia o alto-falante convocando as pessoas para o início da manifestação. Lamentei a coriza e o mal-estar que sentia. Mais que isso, porém, lamentei não possuir a disposição de 1992, da caminhada pelo impeachment do presidente Collor. Naquela vez, saí às ruas no meio de uma multidão composta, em sua maioria, por adolescentes conhecidos como “caras pintadas”. Pintaram a minha também. Tempo bom. Não há setentão que não recorde com gosto a vida que levava há vinte anos. Desta vez, tomei direto o rumo de casa. Nas ruas, jovens risonhos – de novo, quase todos adolescentes – portavam cartazes pintados à mão. Riam e aprontavam todo o barulho que a hora e o lugar lhes permitiam.
Mais tarde, já em casa, um forte alarido de vozes invadiu minha sala. Que seria? Tentei desligar-me. Não consegui. O barulho não dava sinal de que ia parar. Larguei a nebulização que estava fazendo e me aproximei da janela. Onze andares abaixo, ocupando calçadas e o leito da rua, movia-se uma baita aglomeração de gente. Li, dia seguinte, que dez mil pessoas a compunham. Não sei quem contou. Não disponho de meios para conferir, então tenho que acreditar. Caminhavam ao som de apitos, de assobios, de buzinas dos veículos parados, de instrumentos de percussão e de vozes, que gritavam em comando: “Vem pra rua”! Visto do alto, era um bonito espetáculo. Assim, ao vivo, eu nunca tinha assistido. Permaneci encostado à janela pelo espaço de uma boa meia hora. Até que passaram todos, e os automóveis voltaram a se pôr em movimento.
Qual o motivo da grande manifestação? Não, por certo, só os vinte centavos de aumento na tarifa do transporte urbano. Isso foi a gota d’água. O povo já vinha, desde muito, com insuportável clamor entalado na garganta. Esperava apenas o momento de pôr para fora. Começando pela maior cidade do país, por todos os cantos, explodiu a indignação que, nos anos 80, Ulysses Guimarães chamara de “a voz rouca das ruas”. Rouca podia ser a voz dele, próximo dos 70 anos de idade. A das ruas era límpida e vibrante. Escutei-a sob a minha janela. Adolescentes, jovens e adultos davam, na verdade, um recado a todos os que detêm poder: “Cansamos de ser tratados como um bando de patetas. Basta de políticos corruptos e incompetentes. Parem de esbanjar o nosso dinheiro. De sucatear a Educação, a Saúde, a Infraestrutura, a Segurança, o Transporte... Exigimos um país decente. De vergonha na cara”. Com o ímpeto da idade, uma jovem do Rio de Janeiro depositou no cartaz a sua esperança: “Desculpe o transtorno. Estamos mudando o País”.

Há quem duvide. Quem veja nisso puro fogo de palha aceso por gente que sequer usa ônibus urbano ou trem de subúrbio. Quem sabe em que vai dar? Mas uma caminhada de mil quilômetros – ensina a sabedoria chinesa – começa pelo primeiro passo. Vai saber se não estamos assistindo ao despertar de um novo Brasil? De um Brasil disposto a se erguer do berço esplêndido? Brasil que cansou de ser um gigante deitado? 

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