sábado, 13 de julho de 2013

O profeta e a cidade - por padre Orivaldo Robles

O profeta é um visionário. Seu olhar penetra o que a outros é inatingível. Ele colhe na intimidade com Deus o talento para ditos que encantam. É vizinho, senão gêmeo do poeta. Como este, transmite noções com um talento que embasbaca. À gente ignara ocorre, por vezes: “Como não pensei nisso”? Mas dom é dom: não se dá a quem quer. Nada se faz por merecê-lo. Quem o possui simplesmente o ganhou. Para desfrute não de proveito pessoal, mas aberto ao bem de todos.
No século 8° a. C., em anúncio dos tempos messiânicos, Isaías formulou uma proposta assombrosa. E, ao mesmo tempo, encantadora: “O lobo será hóspede do cordeiro, o leopardo vai se deitar ao lado do cabrito. O bezerro e o leãozinho pastarão juntos; uma criança pequena tangerá os dois. O urso e a vaca pastarão unidos, enquanto suas crias descansarão lado a lado. O leão comerá capim como o boi. O bebê vai brincar no covil da víbora; a criancinha enfiará a mão na toca da serpente” (Is 11,6-8). A quem não sensibiliza o lirismo da descrição? Que não deixa, ao mesmo tempo, de ser, em toda a essência e vigor, palavra de Deus. Instado a propor ao reino de Judá o projeto divino, reúne Isaías e harmoniza dons de profeta e poeta.
No final do livro, o texto de um terceiro profeta, distinto também do Dêutero-Isaías (Is 40 a 55), descortina o clima do retorno a Jerusalém, ao fim do exílio da Babilônia (587-538): “Alegrai-vos com Jerusalém e exultai com ela todos vós que a amais; tomai parte em seu júbilo todos vós que choráveis por ela. Assim podereis sugar o leite de seus seios acolhedores. Podereis sugar e vos deleitar em seus peitos generosos. Farei correr para ela a paz como um rio e a glória das nações como torrente transbordante. Sereis amamentados, carregados ao colo e acariciados sobre os joelhos. Como mãe, que acaricia o filho, assim vos consolarei. E sereis consolados em Jerusalém” (Is 66,10-13).
Jerusalém quer dizer morada da paz. No mais profundo anseio bíblico ela é vista como cidade da felicidade, da paz. Não da mera ausência de conflitos. Mas da harmonia e total bem-estar das pessoas. Esta é a Jerusalém anunciada pelo profeta. No fundo, a cidade pela qual ansiamos todos nós. Ninguém há que não sonhe com uma cidade que o amamente, carregue no colo, acaricie sobre os joelhos. Em qualquer idade, afirmamos nossa necessidade de colo. O regaço materno será, por toda a vida, o modelo cabal de felicidade a que nos transportam nossas lembranças.
Que privação acha o leitor que denunciavam os manifestantes do mês passado? Não por acaso, a imensa maioria se compunha de jovens. Expressavam o desejo de que sua cidade fosse morada da paz para todos. Da paz que assossega por inteiro o coração. Por isso, assim do nada, com só o recurso das redes sociais, fizeram ecoar seu grito por São Paulo e Rio. Não só: a partir daí, por cidades do Brasil inteiro. Do Rio Grande do Sul à Paraíba e Roraima. Preso na garganta eles traziam não o grito por uns poucos centavos da tarifa urbana, mas pela falta de saúde, escola, segurança, locomoção, trabalho, dignidade, infraestrutura, respeito, futuro... Pela necessidade de vencer a corrupção, a desigualdade social, a falta de oportunidades.

Agora, se fala dos oportunistas, caroneiros, aproveitadores... Dos diversionistas que defendem a própria pele e o próprio poder. Que, apesar deles, não se apague a justa aspiração por nossas Jerusaléns. Por nossas cidades da paz. Cidades nas quais vejamos respeitada a dignidade de todos os irmãos. Até da maioria, que não conhece como é a vida no andar de cima.

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