De campanha
política a mais antiga lembrança que guardo vem de uma fase longínqua, na infância,
dos meus quatro ou cinco anos. Morávamos ao lado do terreirão, junto da tulha.
A propriedade recebia o imponente nome de fazenda. Não pela extensão, mas por
admitir várias famílias na lavoura de café. Era costume chamar sítio à
propriedade tocada pelo dono, que nela residia e, eventualmente, empregava um
ajudante com ou sem família. Morávamos na fazenda em que o café, plantado no
sistema antigo, não condensado, dificilmente chegava aos cinquenta mil pés.
Separada de nossa casa pelo pasto estendia-se a colônia. Pequena. Ocupada não
por colonos, como o nome sugere. Pelo menos no sentido antigo da palavra. Os
moradores das cinco casas construídas em série eram ditos meeiros. Embora, com
exatidão maior, devessem chamar-se porcenteiros. Pois trabalhavam pelo ganho de
35, 40 ou 45 por cento da colheita anual do café. O pai era o fiscal. Supervisionava
a fazenda e respondia por tudo. Era assalariado. À frente da nossa casa corria
uma estradinha. Cruzava vários sítios, até desembocar em outra, que conduzia à
vila chamada Junqueira. Esta última estradinha, agora asfaltada, ainda lá está.
Junqueira também. Igualzinha à que era, faz setenta anos.
Para ver como
político é danado quando se trata de seu interesse! Quem ia sonhar com serventia
diferente para a humilde estradinha? Pois a esperteza política foi capaz.
Percebeu que nossa porta da sala, habitualmente fechada, podia servir de painel
para cartaz de candidatos. Pela estradinha, devagar o suficiente para ver
figuras e ler palavras, passava muita gente, especialmente aos sábados, indo a
compras na cidade. A pé, a cavalo ou de carrinho, um veículo de tração animal
que cumpria as funções do automóvel de hoje. Pregaram três cartazes em nossa
porta. De candidatos a deputado, prefeito e vereador, calculo. Quiçá então se
votasse em todos os cargos, de cima abaixo. A eleição não era como atualmente, a
cada dois anos, embaçando a vida do país, de Brasília ao menor município de
Roraima.
Os patrões
haviam de cultivar lá suas ligações e definir seus candidatos. Sendo espanhol,
o pai nem era eleitor. Coisas de política não lhe diziam respeito. Um daqueles cartazes,
em particular, tocou meu coração infantil. Era impresso, já naquele tempo, em fino
papel cuchê. Um brilhoso verde-água reproduzia o rosto de um homem esbanjando
simpatia por todos os centímetros quadrados. Lembrava um tio, que eu via pouco
e de quem tomava a bênção.
Nestes dias andei
pensando. Pela enésima vez, estamos entrando numa campanha política. Já não
existem os comícios de um tempo, com foguetório, dupla caipira e discurso
caprichado. Hoje em dia, conhecemos os candidatos pela TV. Alguns, espremidos
por contas de minutos e segundos. Outros, falando um ridículo “você me
conhece”, o nome, o número e sumindo assustados. Tudo numa velocidade de Fórmula
1. A trabalhada cara de Photoshop do santinho ou do cartaz talvez recorde algum
tio carinhoso, que nos dava a bênção. Só que já deixamos de ser crianças. Faz tempo
que não acreditamos mais em coelhinho da Páscoa. Somos adultos com um título de
eleitor na mão. Título de cidadão. Político tem mania de nos considerar um
bando de paspalhos. Não é hora de mostrar que isso acabou? Temos agora chance
de dar um basta. Afinal, não somos nós os donos da cidade?
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