Dia 31 de agosto passado o mundo ficou mais pobre. Morreu Carlo Maria
Martini, cardeal de Milão. Milhões de pessoas em
todo o mundo acompanharam pela TV seu funeral. Mais de 200.000 mil fiéis lhe
prestaram homenagem perante o caixão. Nos últimos anos, algo igual só houve no
falecimento de João Paulo 2°. Era um homem brilhante. Após o doutorado, continuou estudos no Pontifício Instituto Bíblico onde, pelas
qualidades de pesquisador e especialista em Sagrada Escritura, foi feito
reitor. Em 1978 foi nomeado reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana, na qual obtivera,
em 1958, o doutorado em teologia. Especialista
em línguas antigas, conhecia o aramaico, o acádio, o grego, o latim e o
hebraico. Falava fluentemente inglês, espanhol, português, grego moderno e
árabe, além do italiano, sua língua materna. Arcebispo de Milão, promoveu o
diálogo entre ateus e cristãos, assim como entre as distintas religiões. Era
visto como possível sucessor de João Paulo 2°.
Seu cristianismo sempre foi
aberto, sofrido, dialogante. Basta lembrar o que foi a "Cátedra dos
Crentes", através da qual dialogava com quem não crê, com quem está em
busca, com quem é dilacerado pelas dúvidas. Mas não devemos esquecer que o
cardeal emérito de Milão foi o homem da Palavra de Deus, da meditação, da
oração, da Eucaristia. Seria, portanto, errado marcá-lo
apenas com o clichê de bispo liberal, espécie de contraponto ao papa e à
doutrina oficial.
Mais do que seus pronunciamentos e numerosos livros
escritos, todos de intensa atualidade,
impressiona como enfrentou o mal de Parkinson, o mesmo que vitimou o Papa
Wojtyla no final da vida. Martini, cada vez mais impedido na fala e nos
movimentos, consumiu-se lentamente. Sempre fora capaz de palavras profundas e
nunca banais, palavras de esperança, até mesmo para quem vivia distante da fé.
Mas o sofrimento do último período tornou-o próximo e companheiro de estrada de
inúmeros doentes. Seus últimos momentos foram magnífico exemplo de
aceitação da vida e da sua parte mais dolorosa, que é a morte, ao rejeitar a
obstinação terapêutica.
Para quem a fé embasa a vida, mas não retira a dor, conforta ler uma reflexão
sobre a morte, feita pelo grande homem de Deus, mas profundo ser humano, que
foi Martini:
“Mais de uma vez eu lamentei com o Senhor pelo fato de que, morrendo,
não tirou de nós a necessidade de morrer. Seria tão bonito poder dizer: Jesus
também enfrentou a morte em nosso lugar, e, mortos, poderemos ir para o Paraíso
por um caminho florido. Ao invés, Deus quis que passássemos por esta dura viela
que é a morte e que entrássemos na escuridão que sempre dá um pouco de medo. Eu
me pacifiquei novamente com o pensamento de ter que morrer quando compreendi
que, sem a morte, nunca chegaríamos a fazer um ato de plena confiança em Deus.
De fato, em cada escolha comprometedora, nós sempre temos saídas de segurança.
A morte, ao invés, nos obriga a confiar totalmente em Deus. O que nos espera
depois da morte é um mistério; requer da nossa parte confiança total. Desejamos
estar com Jesus, e o desejamos de olhos fechados, às cegas, colocando-nos
totalmente em suas mãos. Desejamos também gozar daquela paz interior, que vence
toda ansiedade e se confia a Deus de todo o coração”.
Amar
a vida e ir provando lentamente a morte há de ser a dor maior. Há de ter sido a
sua.
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