sábado, 1 de dezembro de 2012

Gente que ainda existe - por padre Orivaldo Robles


Num dia desta semana, encontrei por acaso duas amigas queridas. Trocamos algumas palavras. Conversa entre amigos não segue planejamento nem conhece trava ou segredo. É papo aberto, que brota da liberdade e da confiança, sobre qualquer assunto. Não se sujeita à censura nem fiscaliza as palavras. É inevitável sair algo que estranhos tomariam por grosseria. Como um daqueles despautérios do personagem Chaves, da TV, que, após soltá-lo, corre logo a desculpar-se: “Me escapou!”. Uma das amigas falava sobre seu filhinho, que se mostra sempre atento às necessidades dos outros. Deu um exemplo para ilustrar. A uma senhora que, por pouco, não tinha levado um tombo capaz de feri-la com gravidade, ele perguntou: “A senhora está bem? Está precisando de alguma coisa?” Isso lá é conversa de um menino de cinco anos? Mal tinha a mãe contado o episódio, fui tomado pelo espírito do Chaves. Sem refletir, soltei em voz alta: “Vai ser um bobo a vida inteira”. Eu não pensava só no garotinho. Nem me referia diretamente a ele. Tinha em mente o meu velho e o seu peculiar jeito de enfrentar a vida.
O pai foi, em todos os seus dias, um daqueles que hoje a maioria das pessoas chama de tonto. Nunca foi capaz de admitir mentira. Acreditava piamente no que escutava. Aferrava-se à verdade com paixão. Não sabia enganar. Não conseguia puxar o tapete de quem quer que fosse. Menos ainda, passá-lo para trás, de qualquer maneira. Se topasse na rua com um pacote de dinheiro, com certeza não ia sossegar enquanto não achasse o dono. Na época em que nasci, era proprietário de um sítio em sociedade com tio Chico Zangali. (Em casa sempre ouvi contar maravilhas sobre o sítio da Santa Bárbara, que não tive oportunidade de conhecer.) Na mesma época o pai sofreu uma cirurgia de estômago. Quiçá para pagar tratamento de saúde – os filhos jamais cobraram explicação –, ele vendeu ao tio Chico a sua parte do sítio. Nunca mais foi dono de um palmo de terra. Sequer do lote em que repousam seus ossos, por mim conseguido, trinta anos depois.
Não precisei, felizmente, explicar às amigas porque o filhinho de uma delas ia ser um bobo, vida afora. Bastou contar poucas “aventuras” do pai. Minha amiga pôs-se a discorrer sobre as do seu que, para sua felicidade, ainda vive. Embora mais novo, a escola da vida em que se formou comprova que o tempo não introduziu mudanças no seu conteúdo programático. Ambos nossos pais pertencem àquela espécie de homens que supomos inencontráveis no nosso infeliz mundo de hoje. Ela contou coisas lindas a respeito dele, homem bom, destituído de qualquer malícia. Não desconfia da maldade de ninguém. Para ele todos são bons. Se familiares colocam reparo na ingenuidade do seu julgamento, ele se contraria: “Vocês não acreditam em ninguém. Pensam que só existe gente ruim”.
Há tempo venho refletindo nessas coisas. As notícias ajudam a formar nossa opinião sobre fatos e pessoas. Mas só se noticiam coisas ruins. Ninguém escuta, por exemplo, que mães são capazes de passar fome pelos filhos. Que pais trabalham à exaustão para lhes garantir um futuro digno. Na mídia pessoas humildes só aparecem como bandidos ou vítimas. No entanto são elas que carregam o mundo nas costas. A maioria absoluta da humanidade é formada de pessoas humildes e boas. Onde encontrá-las? Em nossa casa, em nossa rua. Basta olhar nosso pai, nossa mãe. E todos os que parecem com eles. Esses são os construtores do mundo bom que queremos.
Ainda bem que existem.   

sábado, 24 de novembro de 2012

Eu desisto - por padre Orivaldo Robles


Afirmação até certo ponto ufanista assegura: “Eu sou brasileiro; não desisto nunca”. Tentei levá-la à prática. Foi quando apareceram as faixas de pedestres nas ruas (sinalização horizontal) e, ao lado, placas de advertência (sinalização vertical). Em país civilizado tais placas são dispensáveis. Basta a sinalização horizontal. Mas nós somos diferentes. Abracei a quixotesca tarefa de ajudar pessoas a atravessar a rua. Contribuiria para criar entre nós um clima urbano mais cortês. Do que, aliás, Maringá precisa. Tolo que sou e cabeçudo, ainda por cima, comecei a solitária campanha de levar à observância da faixa de pedestres. Andando a pé por onde não havia sinal luminoso, eu levantava um braço para indicar minha intenção de cruzar a rua, enquanto, com a outra mão, apontava as listras brancas no asfalto. Ocasiões houve em que motoristas educadamente me cederam a preferência. Noutras, a reação foi menos amigável. Dirigiram-me buzinadas raivosas. Ou me homenagearam com gentilezas do tipo “Quer morrer, seu louco?” ou “Está bêbado, f.d.p.”?  
Quando ao volante ou guidão de veículo motorizado, sentimo-nos donos do mundo. A cidade toma contornos de nosso quintal. Dela desfrutamos conforme nosso alvedrio. Admito que por descuido já invadi faixa de pedestres. Estou-me esforçando para não repetir. Procuro não esquecer que nascemos pedestres, não motorizados. Não é justo entregar a cidade aos carros tornando um inferno a vida das pessoas. Estas são anteriores a eles. Quem chegou primeiro tem direito assegurado.
Por algum tempo sustentei uma inútil disputa. Não contra moinhos de vento, mas contra bólidos motorizados capazes de levar à morte ou ferir com gravidade. Reconheço que me comportei ingenuamente. Não pretendo engrossar com meu nome a extensa lista de vítimas. Cansei. Venho honestamente depor as armas. Aceito a derrota. Sou brasileiro, mas eu desisto.
A gota d’água, que fez entornar o copo, foi vertida por bela e desconhecida jovem, semana passada, numa avenida binária. Ela vinha a uma distância de bons vinte metros. Quatro placas (uma de cada lado de ambas as vias) apontavam-lhe a faixa de pedestres. Pouco antes, dois avisos. Um tinha alertado: “50 km”. A seguir, outro: “Pare”. Ergui bem alto um pacote branco que tinha na mão e entrei na faixa. Julguei seguro. Tanto que um furgão se deteve. Impossível não me ver. A moça – não acredito que nos 50 km/h recomendados – não aliviou. Para não me ferir, teve que frear. Mas parou em cima da faixa; eu passei na beiradinha. Com a face rubra de susto e raiva, me repreendeu gritando: “O senhor não pode ir-se jogando na faixa. Uma hora, o senhor vai morrer por causa disso”. Foi o que falou, mas inconscientemente talvez pensasse outra coisa. Assim como: “Eu sou jovem, bonita, rica e dirijo um carro novo. Você é velho, feio, pobre e anda a pé. Eu sou mais importante do que você. Como ousa atrapalhar minha passagem”?
 Não me joguei, apenas passei sobre a faixa, que não é nenhuma Brastemp, mas ainda está visível no asfalto. Se bem que umas mãos de tinta não lhe fariam mal. E não custam nenhuma fortuna.
Desculpe, moça bonita. Você está certa. Pedestre tem mesmo que sempre dar a vez para os veículos. Dirija seu precioso carro como quiser. Para que encher sua elegante cabecinha com ridículas normas de trânsito, não é mesmo?     

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Padre Makiyama - por Padre Orivaldo Robles


Seu nome brasileiro era Pedro. Em verdade, chamava-se Watar. Mas para nós sempre foi o Makiyama. Nome japonês comum para alguém muito pouco comum.
Deus sabe de que forma se manifestou a vocação em sua vida. E como foi difícil realizá-la. Na adolescência teve a ideia de ser padre. Mas jesuíta, como São Francisco Xavier, missionário na Índia e no Japão. Só que precisava trabalhar na roça para ajudar a família. Levou tempo até entrar na Escola Apostólica de Nova Friburgo (RJ), onde os jesuítas começavam a preparação dos seus candidatos. A pouca base escolar do Norte do Paraná dificultou-lhe acompanhar o estudo puxado. Penosamente, seguiu até à Filosofia, em Belo Horizonte. Foi aconselhado, porém, a desistir. A se tornar religioso, mas irmão leigo.  Não concordou. Voltou ao Paraná.
Procurado, Dom Jaime o acolheu e encaminhou a Curitiba para os quatros anos da Teologia, etapa final da formação de padre. Foi nessa fase que se tornou companheiro de seminário, meu e do Almeida. Mais velho que nós uma década e pedrada, os estudos teológicos pesaram-lhe como duro fardo. Empenhava-se ao extremo. Carecia, porém, de melhor embasamento escolar, que a Colônia Esperança, em Arapongas, não lhe dera na infância, quando nem compreendia direito a língua portuguesa. Talvez tenha vindo daí seu costume da falar pouco. Mas ele não desistiu. Era um lutador.
O Almeida e eu nos pusemos à sua disposição para ajudá-lo naquilo de que precisasse. Passamos a estudar com ele, sobretudo em ocasião de provas, que preparávamos a três ou dois, ele sempre junto. Foi nossa contribuição acadêmica ao irmão de diocese. Venceu. Por toda a vida se mostraria agradecido. Muito além do nosso merecimento, se é que tivemos algum. Quantas pessoas o ouviram dizer que, sem nossa ajuda, não teria chegado a ser padre. Bondade dele.
Além de companheiro, no seminário atraía a admiração como esportista. Foi goleiro de postura garbosa e firme. Não atingiu a classe de um João Ukachenski, do seminário lazarista, que lembrava Lev Yashin, o “Aranha Negra” da União Soviética. Mas dava “pontes” de encher os olhos. Também nadava com perfeição. Já padre, nas férias ia com paroquianos à praia. Gostava de atravessar a nado a baía de Guaratuba. Quando se cansava, flutuava de costas refazendo as forças para novas braçadas. Uma ocasião, ao guarda-vidas que o alcançou pensando socorrê-lo, perguntou calmamente: “O senhor está bem”?
Já lá se vão quase 46 anos que o primeiro bispo de Maringá nos ordenou padres, a nós três, em celebração única, na frente da Catedral velha. Nós o provocávamos para arrancar-lhe alguma palavra. Senão, ele não abria a boca. Um anacoreta dos tempos modernos. Quando completou 80 anos, ofereceram-lhe uma festa. Nunca o vimos tão feliz. Fez um discurso de 15 minutos. Fato digno de registro.
Doutor Camargo foi sua última paróquia. Também seu mundo e sua família nestes 26 anos. Amou profundamente aquela gente e dela recebeu amor igual. Veio buscá-lo a irmã morte no dia 13 passado, à noite. Morreu como sempre vivera: em total pobreza, rico somente do amor de Deus e do carinho do seu povo. Tive ocasião de testemunhar, em Doutor Camargo, um espetáculo grandioso e triste: uma igreja repleta de pessoas que só rompiam o silêncio para rezar e cantar. Não pude olhar para elas. A maioria, suponho, estava como eu, com os olhos toldados por lágrimas. Desde o começo da missa até o instante em que, no cemitério, baixamos seu caixão à terra, que a todos nos vai receber.

sábado, 10 de novembro de 2012

Perigo doce - por padre Orivaldo Robles


Tio Vitoriano era dono de um carro de praça. Estávamos em 1951. Nenhum de nós tinha ainda ouvido a palavra táxi. Pelas tantas, os parentes começaram a mostrar incomum preocupação com o patriarca, o vô Rogelio, que o pai chamava de “meu sogro”. Não Rogério, mas Rogelio, como se fala em espanhol. Por influência das muitas famílias italianas do lugar, nos acostumamos a dizer “nona” e “nono”, em vez de vó e vô. Que eu tivesse sabido, ele nunca saíra daquele sítio. Nem cuidara da saúde. Aos 77 anos, obeso, como se descobriu que era diabético jamais entendi. De que meios dispunham para o diagnóstico? Que laboratório tinha feito os exames? Vai lá saber. Mas o nono tinha diabetes e a coisa era antiga. Os sintomas não assustavam pela simples razão de que a família ignorava os riscos. Daí que ele ia levando a vida possível a um diabético desinformado. Para se locomover – dentro de casa apenas – apoiava-se a uma bengala. Vinha enxergando cada vez menos. Idade, gordura, óculos de fundo de garrafa, nada impressionava. Ao contrário. Conforme a ocasião, até divertia. Uma vez, cheguei a casa enquanto ele dormia. Fui brincar com meu primo Ciro. Não o saudei nem na hora do almoço. À mesa, ouvindo meu nome, forçou os olhos sobre o meu vulto: “Ah, é o Orivaldo? Pensei que fosse um gato”. Todos rimos; ele, inclusive. Para ver quanta ignorância sobre uma vida que caminhava para o fim.
Não passou muito tempo, piorou de vez. Veio o médico. Recomendou sua remoção para Rio Preto, único centro capaz de tratá-lo. Tio Vito morava em Fernandópolis; tio Menegildo, em Jales. Ligação telefônica demorava um dia inteiro naquele tempo. Foram avisados. Havia urgência em reunir os filhos. Como numa vigília, à espera do pior. Tio Vito chegou no seu carro de praça. Um bem conservado Ford, suponho, ou de outra marca, quem lembra? As portas abriam o necessário a passageiros de compleição comum. Não sei se verdadeira ou falsa, a nós foi passada a versão de que o nono, por excessivamente gordo, não passou na abertura das portas do automóvel. Impossível embarcá-lo. Nem teria adiantado. A situação era muito grave. Morreu ali mesmo, em casa. Naquela noite ou na seguinte, não recordo.
Trinta anos mais tarde, internei a mãe em hospital de Maringá. Exames vistos, o médico me encarou, assustado: “Quer matar sua mãe? Ela chegou perto de um coma diabético”. Sorte que o seu anjo da guarda era o plantonista do dia. Aí é que fui saber que o diabetes é grave e pode-se herdá-lo. Passamos a cuidar. Acho que bem, porque ela chegou aos 94 anos. Morreu lúcida, junto dos filhos, dos quais um também é portador. Mas o mantemos vigiado por endócrino excelente e amigo.
Ainda sinto dificuldade de superar a doce, mas perversa, atração do açúcar. Por que é tão custoso trocar hábitos nascidos no colo materno? Quem, no passado, ensinou nossas pobres mães a adoçar todo sólido ou líquido que nos levavam à boca? Vida afora, acabamos ingerindo tanta porcaria gostosa, não pelo valor nutritivo, mas pelo sabor agradável. Na minha lembrança, e na de muita gente, continua presente a figura do saco de açúcar, lá na despensa, protegido das formigas, mas franqueado às nossas incursões. Quantas vezes nos tornamos coadjuvantes da mãe na confecção daqueles doces chavascados, mais primorosos para nós do que os produzidos nas doçarias da rainha da Inglaterra! Delícias, sim, mas perigosas.   

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Tempos Difíceis por padre Orivaldo Robles


Conheci homens e mulheres que enfrentaram vida duríssima. Ganhavam o sustento com o suor do rosto. Suor de todo o corpo. Tive chance de contemplar homens vestidos com o que parecia baixeiro de cavalgadura. Com andar trôpego de canseira, com pés mal defendidos por alpercatas desfiadas. Famílias inteiras davam na roça um duro danado. Saíam antes do nascer do sol para retornar perto do escurecer, quase noite. Até crianças trabalhavam. Melhor serviço pouco na lavoura do que muita confusão em casa.  
Nossa família foi exceção. Só o pai compreendia que meninos deviam estudar. Os tempos eram outros. Ou, na época, a pobreza se espalhava por todo o lado. Em casa, não tínhamos razões de queixa. Ainda que fosse o pai o único envolvido de fato nos cuidados do café, monocultura da região. Pela manhã, íamos à escola. No conforto de um ônibus de linha. Nem sempre sentados, porque, em certos dias, ele já vinha lotado de Araçatuba. Nós lhe dávamos o nome da cidade onde, madrugada ainda, iniciava o itinerário. Se tardava a aparecer, perguntávamos aflitos à moradora da casa junto à estrada: “A Araçatuba já passou”? Nunca perdemos dia de aula. A Araçatuba era única condução do horário. Cumpria o trajeto até São José do Rio Preto. Em estrada de terra batida, do começo ao fim. De asfalto ninguém falava. Estávamos nos alvores dos anos 50. Décadas depois, no Paraná, é que vim a conhecer ônibus escolar. Ainda me pergunto como o pai, com o pobre salário de fiscal de uma fazendola de café, pagava quatro passagens de ônibus por dia. Dois filhos, ida e volta da cidadezinha retirada cinco quilômetros. Tínhamos também nossas obrigações além da escola. Nem de longe, para dizer a verdade, como os meninos de idade semelhante. Descarregar caminhões de palha de arroz ou de café, recolher no pasto esterco de gado para achegar aos pés de café. Palha ou esterco, adubo natural. Num período em que ninguém ouvira falar de empresas multinacionais poluidoras da terra, da água e dos alimentos.
Gente dessa época arcava com asperezas que hoje apenas o ouvir assusta. A alimentação era de uma frugalidade completa. Nada fora do básico e tudo preparado em casa mesmo. Acontecia até de se engolir qualquer bobagem, antes de dormir, para tapear a fome que o estômago insistia em lembrar. Roupa nova só após anos de uso da outra. Remendos de cores várias dificultavam o reconhecimento do tecido original. Muito moleque calçou feliz seu primeiro sapato por volta dos quinze anos. Sem a menor ideia de marca. Se o pisante não machucava os pés, já estava no lucro. Os dedões festejavam o fato de se livrarem de topadas. Distância de alguns quilômetros era no pé mesmo. Ninguém pensava em carro, moto ou bicicleta. Um cavalo, quando muito, vá lá. Para levar a mãe com criança no colo. Os demais seguiam trotando. Como o cachorro, que sempre havia um e sempre ia junto. As casas, se por fora eram modestas, por dentro então, mostravam austeridade difícil de explicar aos filhos de hoje. Nem adianta o esforço. Não conseguiriam compreender.  
E, apesar de tudo, não se reclamava da vida. Nem se maldizia a sorte. Certo fatalismo sertanejo, espécie de “fazer o quê?” nascia com a gente. Ninguém esperava que as coisas caíssem prontas do céu. Armava-se de coragem. Enfrentava privações e dores. E cultivava a solidariedade, coisa hoje um tanto esquecida.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

No Mato Grosso do Sul, decisão da Justiça Federal leva indígenas a optarem pelo extermínio e extinção total


No Mato Grosso do Sul, nos últimos dez anos, ocorre um suicídio por semana nas tribos indígenas que ainda sobrevivem na região. O fato já foi denunciado várias vezes por diversas organizações que atuam com a causa indígena. Mas nos últimos dias, uma "carta-testamento”, assinada por representantes da aldeia Guarani-Kaiowá, do município de Naviraí, chama a atenção, sobretudo nas redes sociais, para o criminoso descaso com os povos indígenas, descaso do qual os governos terminam sendo cúmplices e ineficientes em não dar respostas dignas às populações que somente estão lutando por seus direitos ancestrais.
Na carta, enviada ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 170 indígenas destacam uma decisão definitiva: não vão sair de suas terras nem vivos, nem mortos. Cientes de que não vão ter acesso legal às suas terras, já se consideram dizimados, prontos para estarem nos cemitérios onde estão seus ancestrais. Pedem, ainda, tratores para cavar um buraco onde seus corpos possam ser enterrados.
O motivo? A Justiça Federal, representada pelas instâncias competentes, despachou uma ordem de despejo em claro sinal de atendimento aos fazendeiros que ocupam ilegalmente a área onde os indígenas estão acampados, à margem do Hovy, perto de suas terras originárias.
Mesmo com a repercussão, o coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário - Mato Grosso do Sul, Flávio Machado, informou que nada formalmente foi feito para impedir a ação de despejo. A situação, portanto, continua a mesma.
"Em termos de encaminhamento não houve absolutamente nada. Nada foi feito. O que houve é que a carta ganhou repercussão. Mas quando se fala em morte coletiva, isto se dá em duas frentes: o de resistir no território, já que eles não vão sair de lá, e na descrença no Poder Judiciário”, falou à ADITAL, Flávio Machado.
O suicídio, de fato, explica Machado, é praticado há anos entre o povo Guarani-Kaiowá. A situação lá é muito séria. "Esta aldeia já foi atacada três vezes e nenhuma das vezes o assunto foi considerado como genocídio. O que é uma injustiça”, completou.
A Carta
O documento é assinado pela comunidade Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay. Nela, 50 homens, 50 mulheres e 70 crianças falam de sua situação histórica e de uma decisão definitiva diante da postura da Justiça Federal.
"Entendemos claramente que esta decisão da Justiça Federal de Navirai-MS é parte da ação de genocídio e extermínio histórico ao povo indígena, nativo e autóctone do Mato Grosso do Sul, isto é, a própria ação da Justiça Federal está violentando e exterminado e as nossas vidas. Queremos deixar evidente ao Governo e Justiça Federal que por fim, já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo, não acreditamos mais na Justiça brasileira”, afirma um trecho da carta.
De acordo com o posicionamento dos povos indígenas, o suicídio é o único caminho. Um suicídio coletivo induzido pela falta de atenção, pelo desrespeito aos mais básicos dos direitos humanos, o direito à vida.
"A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas? Para qual Justiça do Brasil? Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós. Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui”, continua a carta.
Por fim, os Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay – que atualmente estão em 45 mil pessoas – pedem à Justiça Federal sua extinção e dizimação. "Como um povo nativo e indígena histórico, decidimos meramente em sermos mortos coletivamente aqui. Não temos outra opção esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de Navirai-MS”.

sábado, 20 de outubro de 2012

Quem lembrou o Dia do Professor? - por padre Orivaldo Robles


Não sou o único, mas me orgulho de recordar o nome da minha primeira professora. Por mudança da família, comecei a escola em Jales, em agosto de 1949. Tinha oito anos completos, calculem! As exigências para ingresso à escola eram mínimas, então. Aos quatro anos iniciais, porém, se davam uma seriedade e uma importância exemplares. Os professores do “grupo” ensinavam de verdade. Sempre fui aprovado em primeiro lugar. Ao concluir o quarto ano primário (atual quarta série do ensino fundamental), de Português, Matemática, Geografia, História e Conhecimentos Gerais eu dominava um conteúdo melhor do que a maioria dos alunos da oitava série de hoje. Não só eu. Qualquer aluno dos antigos grupos escolares dirá o mesmo.
Família pobre, naquela época, mudava muito. De sítio para sítio, de uma fazenda para outra. Comigo não foi diferente. Colega meu, de quem não lembro o nome, contava, para diversão geral: “Nós mudamos tanto que, lá em casa, quando ouviam um barulho de caminhão, as galinhas já iam deitando e virando as pernas pra cima”. Quem morou na roça entende. Na mudança se levavam os “trens”, os quadrúpedes e as aves. As galinhas iam peadas, penduradas todas numa haste comprida.
Voltando à minha primeira professora, era uma moça querida de todos. Com muita paciência encaminhou pelos meandros do saber aos rudes caipiras que éramos. Chamava-se Erotides Ferrari. Viera de Mirassol. Na sua imensa maioria, nossos professores eram solteiros e tinham residência em outras cidades. Devia haver alguma reunião em que lhes eram oferecidas vagas em localidades que podiam escolher. Ocupavam os dois hotéis do lugar, especialmente o Jales Hotel, ao lado do grupo escolar. Ou se hospedavam em residências. Por muito tempo a prima Iracema teve uma professora em casa. Quase virou membro da família. No Jales Hotel Oscar Aidar, meu professor do segundo ano, morou durante larga temporada. Desse eu guardo lembranças que não morrerão. Fumante, mostrou em sala o malefício do cigarro. Acendeu um, puxou a manga da camisa branca e baforou nela. Exibiu a mancha marrom, explicando: “Assim vai ficando o pulmão de quem fuma. Até se tornar todo preto”. Natural de Sorocaba, era um craque de bola. Tornou-se centroavante e ídolo do time vermelho e branco da cidade. Cobrador oficial de pênalti, não costumava tomar distância. Mal ouvia o trilar do apito, soltava a bomba. Se o goleiro fosse esperto, ainda podia ver o último balanço da rede. Nós, seus alunos, assistíamos às partidas jogadas em casa. Dia seguinte, o recreio era curto para comentários do jogo. Todos ao seu redor, no pátio onde ficava conosco. Não ia à sala dos professores.
Ainda no meu primeiro ano, o diretor escolheu um aluno de cada série e nos incumbiu de presentear nosso professor. Deveríamos fazer uma vaquinha entre os colegas de sala. Quando se conferiram as arrecadações, quase morri de vergonha. Os míseros 7,50 cruzeiros que consegui só deram para comprar uma pavorosa tijelinha de vidro, que Dona Erotides agradeceu e festejou como um presente de rainha. Ninguém falava em Dia do Professor naquele tempo. Para si mesmo o diretor não pensou em presente. Mas aprendemos o valor dos professores.
Seria bom que o professor Paulo, nosso diretor, ainda estivesse vivo. Ele está fazendo falta. Muitas pessoas esqueceram a importância do professor. 

A patologia dos tribunais - por Miltom Nogueira


Tribunais, uma invenção humana, também ficam doentes. Nas últimas décadas, vários tribunais se perderam, cometeram barbaridades e passaram a se meter com políticas atrasadas. Uma verdadeira patologia, contrária ao espírito das leis e aos anseios de justiça neutra e cega. Uma vez doente, o tribunal dificilmente consegue cura.
Eis algumas doenças que afetam os tribunais.
Tribunal espetáculo
Stalin mandava prender a pessoa sob acusações falsas, e a enviava a um tribunal de juízes sectários. Achem o acusado, dizia ele, que acharei o parágrafo. Do pódio, três juízes perguntavam coisas triviais- você fala bem o russo? Já conversou com estrangeiro? Está contente com seu chefe? As respostas, quaisquer que fossem, eram apresentadas como prova contra o réu. Se fala bem o russo, porque se meteu com…? Se não fala bem o russo, porque se meteu com…? A cada tentativa de se explicar o apavorado réu se enredava mais. Chamados de show-trial em inglês, os tribunais eram transmitidos por radio para toda a União Soviética, justamente para amedrontar o povo. Não era tribunal justo, era o terror sob o manto de juízes. Algumas dezenas de milhares morreram.
Os tribunais da Alemanha dos anos 30 faziam o mesmo, com um toque de arapongagem, denúncia anônima, delação de vizinho. Juízes lenientes inquiriam, Salomão, você foi à sinagoga? Se sim, você deve ser judeu e não é bom cidadão do III Reich. Se não, você está mentindo e não é bom cidadão do III Reich. O réu era sempre condenado, sob microfones de radio e câmeras de filme que tudo mostravam em vinhetas antes das sessões de cinema. Hollywood ainda não se cansou de contar essa história.
E no Brasil, como estamos?
O tribunal do faz-de-conta
Mock trial em inglês, acontece quando o juiz entra em sala com a decisão já tomada e deixa de fora provas essenciais ao processo. Caso famoso foi o Monkey trial, um bisonho tribunal que, ha um século, condenou um professor que explicava a evolução das espécies em escola primaria de uma região atrasada dos Estados Unidos. O juiz, cristão radical, condenou o professor mas, antes, rejeitou o testemunho de geólogos, arqueólogos, botânicos, médicos, historiadores, porém acatou o de fazendeiros que afirmaram haver sido a Terra criada há quatro mil anos, às nove horas da manhã. Foi também um dos mais divertidos shows de rádio do país. Próxima atração: o filme "O Vento Será Tua Herança”.
No Brasil, os tribunais da época da ditadura condenaram centenas de réus por atos políticos que sequer eram crimes.
E no Brasil, como estamos?
Circo da mídia
O julgamento de O J Simpson durou meses sob holofotes das TVs dos Estados Unidos e por isso foi chamado de media circus; esse tipo de tribunal roda como espetáculo, muda o horário das próprias sessões para atender ao noticiário nacional das TVs, repete a cada meia hora as imagens dos advogados em cena. A injustiça é cometida quando a mídia, sob o imperativo de não parar o espetáculo, acaba influenciando as testemunhas, as provas, os peritos, os jurados e os próprios juízes. No caso Simpson, o juiz fez plástica facial para aparecer bem, perante as câmeras.
No Brasil, como estamos?
Tribunal abortado
Um tribunal aborta quando o juiz erra tudo, não define claramente qual é o verdadeiro crime, vacilando entre alegações, especulações, suspeitas e indícios sem prova. Caso famoso, hoje no currículo de alguns cursos de direito, foi o dos Irmãos Nave, acontecido em Minas Gerais dos anos 40. Acusados de haver assassinado um homem, os irmãos Nave foram torturados até confessarem. O juiz sequer perguntou se alguém havia visto o cadáver; mas, mesmo assim, os condenou. Da cadeia os Naves só saíram muitos anos depois, quando o homem reapareceu na cidade. Ele havia fugido sem avisar a ninguém.
Outro exemplo de aborto de justiça foi a condenação de Nelson Mandela à prisão perpetua por tribunal racista do apartheid, em cuja sala negros não entravam.
Os tribunais, constituídos de seres humanos, às vezes ficam doentes. Como estamos no Brasil?

domingo, 14 de outubro de 2012

Um silêncio bendito - por padre Orivaldo Robles


Pobre se contenta com pouco. É bom, porque não fica correndo atrás de coisas impossíveis. À saída da igreja, me interrompe um casal e, emocionada, a senhora diz: “Obrigada pelo seu livro. Ele ajuda a educar os filhos”. Não imaginava. Fez-me bem saber que alguns aproveitam assim o que escrevo. Deus seja louvado. Dias depois, um amigo, que há tempo não via, admite: “Leio sempre sua crônica. Aquela sobre seu irmão foi especial. Mostrei a um amigo, que também apreciou. Você gostava desse irmão, hein”. Emoção é algo muito pessoal, mas não intransferível. Sempre podemos reparti-la com alguém. Semana passada, num intervalo do retiro espiritual, para minha surpresa, o pregador rompeu o silêncio para me dizer: “Dei uma folheada rápida no seu livro. Vi uma crônica aqui, outra ali. Depois lerei com tempo. Aquela sobre seu irmão me impressionou. Não pare de escrever”. Alguns amigos (para dizer a verdade, poucos) quiseram saber por que a crônica não foi publicada no sábado passado. Fiquei feliz que alguém tenha notado a falta. Expliquei que estávamos em retiro espiritual do clero, quatro dias de reflexão, oração e silêncio, que fazemos todos os anos. Saímos na segunda-feira; só retornamos na sexta, depois do almoço.
Não sei quantos leitores conhecem o Recanto Marista, em Doutor Camargo. É uma das realizações mais preciosas do querido irmão Pedrão. Erguido às margens do Rio Ivaí, é um belo refúgio para finais de semana de famílias que tentam escapar da algazarra da cidade. Ou para a paz de quem deseja um espaço de silêncio, cada vez mais raro na vida agitada dos nossos dias. Há anos ele nos vem beneficiando. Aproveitamo-lo com poucos, mas preciosos dias que consagramos ao recolhimento e à oração. Acredito que pela minha origem roceira, a cada votação para escolha do local de retiro do clero, todo ano voto no Recanto Marista. Que existe lá de tão bom? Ah, o verde do mato, o azul do céu, o canto dos pássaros, o guincho dos macacos, o suave marulho do rio. As instalações são modestamente confortáveis. O cardápio, preparado com carinho de mãe por bondosas senhoras que nos acompanham, faz anos. Num lugar assim o silêncio é uma bênção de quase tocar com a mão.
Em ano eleitoral então, longe do bombardeio da campanha política, quatro dias representaram um presente extra. Não é um bom motivo? Os mais jovens talvez não compreendam. Mas quem já cruzou a barreira dos setenta sabe do que estou falando. Somos de um tempo em que música era levada a sério. Só se metia a compor quem tinha competência. Até jingles de campanha política eram bem feitos. A gente podia não gostar do candidato, mas ouvia com gosto sua melodia. Hoje musiquinhas políticas são um horror. Claro atentado contra pobres ouvintes, que não têm como se defender. Tenho para mim que alguns candidatos acabaram derrotados por culpa da propaganda musical. Não basta plagiar melodia existente e trocar a letra. Às vezes a original já era um lixo. A “composição” política então se torna execrável. Difundida pelas ruas, à exaustão e em volume aterrador, só dá raiva, causa irritação. Quem vai votar num candidato desses? Quando alguém se candidata, por favor, cuide com grande antecedência de procurar bons músicos. Este ano, a propaganda musical de alguns candidatos a vereador, que pobreza! Um alívio quando terminou.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Teologia da Libertação, Paulo Apóstolo e Marx - por Jung Mo Sung


Neste domingo inicia-se em S. Leopoldo, RS, um Congresso Continental de Teologia que vai celebrar 50 anos do Concílio Vaticano II e 40 anos da publicação do livro de Gustavo Gutierrez, Teologia da Libertação: perspectivas. Com certeza será um momento de celebração e também reflexões.
"Celebrar e refletir” significa aqui, entre diversas coisas, "voltar” ao passado para recuperar as intuições fundamentais, fazer balanço do que foi positivo e negativo no caminho e se comprometer no esforço de abrir novas pistas e superar dificuldades e impasses para continuar fazendo história. Tudo isso para manter vivas reflexões teológicas que iluminem e alimentem a fé que se expressa nas práticas eclesiais, sociais e políticas em defesa da dignidade e vida das vítimas dos sistemas e relações opressoras e desumanizadoras.
Penso que, entre grandes contribuições da TL, podemos destacar duas: a) a recuperação da noção de que Deus de Jesus não é um deus metafísico, distante e insensível aos sofrimentos humanos, mas sim um Deus que opta pelos pobres, que se encarna na história humana para tomar o lado das vítimas; b) que a teologia não deve começar e terminar em conceitos dogmáticos, mas sim refletir a partir das perguntas e desafios das práticas concretas de libertação e em função delas. TL não é uma –pelo menos não era no seu início– uma proposta de releitura dos tratados teológicos a partir da opção pelos pobres ou de qualquer outro ponto. Por mais que esse tipo de teologia possa parecer TL, se a reflexão teológica não nasce e/ou não está em função de problemas concretos das pessoas e povos dominados não é TL no sentido proposto no seu início. Por isso, voltar às intuições iniciais é importante.
É claro que uma teologia assim só poderia encontrar oposições e críticas falaciosas daqueles que não conseguem ou não querem romper com o "mundo”, com sistemas de dominação que se autossacralizam. Uma das críticas injustas mais repetidas é que a TL era uma mera simplificação do marxismo em linguagem religiosa. O diálogo com marxismo foi uma consequência de a TL assumir como suas interlocutoras as ciências do social críticas ao sistema capitalista dependente da AL. Muitas páginas já foram escritas sobre isso, mas o debate (nem sempre honesto) sobre a relação entre TL e marxismo continuará presente enquanto a TL mantiver postura profética frente ao sistema capitalista. Isto é, enquanto a TL continuar refletindo sobre "teologia e economia”, refletindo sobre a luta dos pobres pelo direito de viver dignamente, direito esse que é negado pelo capitalismo, a discussão sobre marxismo ou Marx estará presente.
Na história da TL, Franz Hinkelammert é, sem dúvida, um dos pensadores que mais (e, penso eu, também melhor) dialogou com o pensamento maduro de Marx. No seu livro "As armas ideológicas da morte” (1977, 2ª ed amp. 1981), um dos primeiros sobre "teologia e economia”, ele apresentou uma crítica marcante do fetiche do e no capitalismo e uma reflexão instigante sobre a crítica da lei em Paulo apóstolo. Para Dussel, esse livro "marca um capítulo na história da teologia da libertação, como um novo começo. O grande economista, leigo, desenvolveu um discurso teológico potente, crítico e econômico”. (É uma pena que ele não seja um teólogo da libertação muito conhecido no Brasil.)
Após mais de 30 anos de reflexão sobre o assunto, Hinkelammert nos brinda com um livro que realmente dá um novo salto na reflexão da TL: "A maldição que pesa sobre a Lei: as raízes do pensamento crítico em Paulo de Tarso” (Paulus, 2012). Nesse livro, ele analisa a presença de Paulo em Marx e a crítica da lei feita por Paulo. "Para Paulo, a busca da justiça pelo cumprimento da lei produz a injustiça; e a lei se transforma em seu contrário, torna-se lei do pecado. Esse mesmo fenômeno aparece na análise de Marx, que o denomina fetichismo. Quando se considera o cumprimento da lei e, por conseguinte, da lei do valor como ato de justiça, os crimes que se cometem no cumprimento da lei já não parecem ser crimes, mas sacrifícios necessários ao progresso”. Apesar dessa convergência, Hinkelammert diz que "há uma grande diferença entre as posições de Paulo e de Marx, que aparece em suas concepções da solução”.
A TL não morreu, há reflexões sérias e relevantes sendo produzidas – em menor quantidade que antes, devemos reconhecer –, mas que não são muito conhecidas ou divulgadas. Talvez uma das tarefas importante hoje para TL seja a de conhecer e divulgar essas obras.