Acredito que é necessário ouvir sempre os dois lados de uma versão...
Diante dos últimos episódios que envolvem o MST e vêm repercutindo na mídia, a direção nacional do MST vem a público se pronunciar.
1. A nossa
luta é pela democratização da propriedade da terra, cada vez mais concentrada em
nosso país. O resultado do Censo de 2006, divulgado na semana passada, revelou
que o Brasil é o país com a maior concentração da propriedade da terra do mundo.
Menos de 15 mil latifundiários detêm fazendas acima de 2,5 mil hectares e
possuem 98 milhões de hectares. Cerca de 1% de todos os proprietários controla
46% das terras.
2. Há uma
lei de Reforma Agrária para corrigir essa distorção histórica. No entanto, as
leis a favor do povo somente funcionam com pressão popular. Fazemos pressão por
meio da ocupação de latifúndios improdutivos e grandes propriedades, que não
cumprem a função social, como determina a Constituição de 1988.
A
Constituição Federal estabelece que devem ser desapropriadas propriedades que
estão abaixo da produtividade, não respeitam o ambiente, não respeitam os
direitos trabalhistas e são usadas para contrabando ou cultivo de drogas.
3. Também
ocupamos as fazendas que têm origem na grilagem de terras públicas, como
acontece, por exemplo, no Pontal do Paranapanema e em Iaras (empresa Cutrale),
no Pará (Banco Opportunity) e no sul da Bahia (Veracel/Stora Enso). São áreas
que pertencem à União e estão indevidamente apropriadas por
grandes empresas, enquanto se alega que há falta de terras para assentar
trabalhadores rurais sem terras.
4. Os
inimigos da Reforma Agrária querem transformar os episódios que aconteceram na
fazenda grilada pela Cutrale para criminalizar o MST, os movimentos sociais,
impedir a Reforma Agrária e proteger os interesses do agronegócio e dos que
controlam a terra.
5. Somos
contra a violência. Sabemos que a violência é a arma utilizada sempre pelos
opressores para manter seus privilégios. E, principalmente, temos o maior
respeito às famílias dos trabalhadores das grandes fazendas quando fazemos as
ocupações. Os trabalhadores rurais são vítimas da violência. Nos últimos anos,
já foram assassinados mais de 1,6 mil companheiros e companheiras, e apenas 80
assassinos e mandantes chegaram aos tribunais. São raros aqueles que tiveram
alguma punição, reinando a impunidade, como no caso do Massacre de Eldorado de
Carajás.
6. As famílias acampadas recorreram à ação na Cutrale como
última alternativa para chamar a atenção da sociedade para o absurdo fato de que
umas das maiores empresas da agricultura - que controla 30% de todo suco de
laranja no mundo - se dedique a grilar terras. Já havíamos ocupado a área
diversas vezes nos últimos 10 anos, e a população não tinha conhecimento desse
crime cometido pela Cutrale.
7. Nós
lamentamos muito quando acontecem desvios de conduta em ocupações, que não
representam a linha do movimento. Em geral, eles têm acontecido por causa da
infiltração dos inimigos da Reforma Agrária, seja dos latifundiários ou da
policia.
8. Os
companheiros e companheiras do MST de São Paulo reafirmam que não houve
depredação nem furto por parte das famílias que ocuparam a fazenda da
Cutrale. Quando as famílias saíram da fazenda, não havia ambiente de
depredações, como foi apresentado na mídia. Representantes das famílias que
fizeram a ocupação foram impedidos de acompanhar a entrada dos funcionários da
fazenda e da PM, após a saída da área. O que aconteceu desde a saída das
famílias e a entrada da imprensa na fazenda deve ser
investigado.
9. Há uma
clara articulação entre os latifundiários, setores conservadores do Poder
Judiciário, serviços de inteligência, parlamentares ruralistas e setores
reacionários da imprensa brasileira para atacar o MST e a Reforma Agrária. Não
admitem o direito dos pobres se organizarem e lutarem.
Em períodos
eleitorais, essas articulações ganham mais força política, como parte das
táticas da direita para impedir as ações do governo a favor da
Reforma Agrária e "enquadrar" as candidaturas dentro dos seus interesses de
classe.
10. O MST
luta há mais de 25 anos pela implantação de uma Reforma Agrária popular e
verdadeira. Obtivemos muitas vitórias: mais de 500 mil famílias de trabalhadores
pobres do campo foram assentados. Estamos acostumados a enfrentar as
manipulações dos latifundiários e de seus representantes na
imprensa.
À sociedade,
pedimos que não nos julgue pela versão apresentada pela mídia. No Brasil, há um
histórico de ruptura com a verdade e com a ética pela grande mídia, para
manipular os fatos, prejudicar os trabalhadores e suas lutas e defender os
interesses dos poderosos.
Apesar de
todas as dificuldades, de nossos erros e acertos e, principalmente, das
artimanhas da burguesia, a sociedade brasileira sabe que sem a Reforma Agrária
será impossível corrigir as injustiças sociais e as desigualdades no campo. De
nossa parte, temos o compromisso de seguir organizando os pobres do campo e
fazendo mobilizações e lutas pela realização dos direitos do povo à terra,
educação e dignidade.
São Paulo, 9
de outubro de 2009
Publicado no "MST Informa" n° 174.
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